Que a RTP cumpra os mínimos olímpicos da decênciaEsperava-se que a RTP - Rádio e Televisão de Portugal cumprisse os “mínimos olímpicos da decência” e integrasse os trabalhadores que estiveram na situação de “falsos outsourcings” reconhecendo, pelo menos, a sua antiguidade. Em vez disso, a RTP apresentou um apelidado “Acordo de Integração” em que a data de entrada para os quadros da empresa é...a semana passada.

“A exploração de trabalho precário continua sem fim à vista na RTP” – é nestes termos que começa a carta do SINTTAV dirigida esta semana à Ministra da Cultura, à Ministra do Trabalho e ao Ministro das Finanças, entidades tutelares da empresa pública, a propósito da forma como a RTP está fazer a integração de trabalhadores de falsos regimes de “outsourcings”, alguns com décadas de dedicação ao Serviço Público de Rádio e Televisão de Portugal.

Carta do SINTTAV - Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisuais

Para:

Ministra da Cultura, Dra. Graça Fonseca.

Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Dra. Ana Mendes Godinho.

Ministro das Finanças, Dr. João Leão.

CC:

Grupos Parlamentares da Assembleia da República.

Grupos Parlamentares da Assembleia Legislativa dos Açores e Madeira.

Comissão de Trabalhadores da RTP.

Sub-Comissões de Trabalhadores da RTP.

Conselho de Opinião.

Conselho Geral Independente.

Lisboa, 16 de novembro de 2020

Exmos,

A exploração de trabalho precário continua sem fim à vista na RTP.

A Rádio e Televisão de Portugal, empresa do sector empresarial do estado, sob a tutela de V. Exas. aproveitou a integração de trabalhadores no âmbito do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na administração pública para propor acordos de integração a falsos “outsourcings” que lhes retiram a antiguidade a que têm direito.

Estes trabalhadores mantinham com a RTP um vínculo precário através do recurso a supostas empresas de fornecimento de mão de obra que na verdade não passavam de subterfúgios para gestão administrativa do pagamento de salários e contribuições fiscais. Os trabalhadores não tinham com estas empresas qualquer relação que os pudesse classificar como seus trabalhadores. Recebiam ordens directamente da RTP, horários da RTP, trabalhavam com equipamentos da RTP. Eram em tudo trabalhadores do quadro da RTP, com todas as suas obrigações mas com nenhum dos seus direitos.

Alguns destes trabalhadores estiveram na situação de “falsos outsourcings” mais de 20 anos e outros ainda estão porque a CAB Cultura os deixou para trás em decisões que ninguém consegue explicar. Apesar da oposição feroz da RTP, foi esta realidade que a Comissão de Avaliação Bipartida do PREVPAP reconheceu a alguns destes trabalhadores, numa decisão que V. Exas. homologaram recentemente.

Tal como fez com os que eram explorados a “falso recibo verde” passado directamente à empresa, esperava-se que a RTP respeitasse as decisões da CAB-Cultura, admitisse a natureza ilegal do vínculo préexistente destes trabalhadores e os integrasse cumprindo os “mínimos olímpicos da decência” reconhecendo, pelo menos, a sua antiguidade.

Numa atitude que só podemos classificar como mesquinha – dado os valores que estão em causa em relação a salários dos mais baixos, numa empresa que gere milhões mas que paga (a alguns), tostões-, a RTP apresentou a estes trabalhadores, não um contrato de trabalho, como era sua obrigação fazer, mas uma inovação: Um apelidado “Acordo de Integração” em que a data de entrada para os quadros da empresa é...a semana passada.

Pensando tratar-se de um equívoco, os trabalhadores inquiriram a Direcção de Recursos Humanos da RTP e receberam a explicação de que se não se tratava de um erro, mas sim de uma intenção assumida. A RTP não pretende reconhecer a antiguidade de trabalhadores com décadas de dedicação ao Serviço Público de Rádio e Televisão de Portugal, porque considera que o facto de terem sido “explorados administrativamente” por uma empresa terceira não lhes dá esse direito. Como é óbvio, nada disto está conforme à portaria que regulamenta o PREVPAP nem em qualquer regulamentação legal conhecida, violando até princípios fundamentais do direito.

Como se já não bastasse a discriminação que eram alvo estes trabalhadores enquanto tinham vínculos precários, a RTP consegue desta maneira elevar ainda mais a fasquia e consegue discriminar entre trabalhadores precários a “falso recibo verde” a quem reconhece, e bem, a antiguidade de dezenas de anos e entre “falsos outsourcings” a quem não reconhece nenhuma. O facto da maioria destes trabalhadores prestar funções à RTP nas Regiões Autónomas da Madeira, Açores e no Centro de Produção do Norte agrava ainda mais esta injustiça e contribui para assimetrias regionais no tratamento de cidadãos que não são de todo aceitáveis a uma empresa que tem Portugal no seu nome.

Como V. Exas, sabem, a avaliação dos vínculos no processo PREVPAP funciona através de uma comissão bipartida onde têm lugar representantes dos vossos ministérios que analisa as funções dos requerentes durante um chamado “período janela” que decorreu entre 1 de Janeiro e 4 de Maio de 2017. Ou seja, os trabalhadores a quem foi reconhecido que o vínculo que mantinham com a RTP era desadequado estavam obrigatoriamente ao serviço da empresa há pelo menos três anos. A RTP nem sequer está disposta a reconhecer que os trabalhadores eram precários no período que foi analisado na decisão que agora é obrigada por lei a cumprir o que não faz qualquer sentido.

Os valores financeiros em causa nesta questão, quer pelo número de trabalhadores, quer pelos salários em causa, não têm qualquer impacto no orçamento da RTP, mas têm e muito em quem nela trabalha há anos consecutivos em situação precária aguardando que lhe façam justiça.

Para além do exposto cabe-nos infelizmente reportar-vos que o recurso a trabalho precário na RTP, longe de ter sido exterminado pelo processo PREVPAP, continua vivo e de boa saúde na estratégia de recursos humanos desta empresa. Estão por cumprir os normativos do Orçamento de Estado de 2020 que obrigavam a integrar os restantes precários da Madeira e a sua harmonização salarial, estão por integrar trabalhadores que a CAB-Cultura não reconhece e um census recente identificou a contratação de mais de 80 trabalhadores em regime de precariedade, após o processo que supostamente deveria acabar com eles.

Aliás, no que ao PREVPAP diz respeito, 12 de Novembro de 2020 ficou marcado pela ignomínia quando a CAB-Cultura decidiu por sua iniciativa encerrar o processo de avaliação que estava a fazer, e iniciar o envio de notificação a mais de 62 trabalhadores informando-os de que havia “chumbado” a sua entrada para os quadros da RTP, desistindo de os tratar em igualdade de circunstâncias com outros a quem reconheceu a existência de um contrato de trabalho, manchando assim um processo que tinha como intenção fazer justiça, ao transformá-lo numa autêntica “lotaria de precários”, que só os responsáveis da CAB-Cultura, nomeados por vós, podem explicar. Ficaram para trás trabalhadores de Lisboa, Porto, Madeira e Açores. O balanço final PREVPAP na RTP é um embaraço absoluto.

Exmos. esta é a “vossa” empresa! A empresa que tutelam em nome dos portugueses, e é em nome dessa tutela e pela responsabilidade que a mesma acarreta, que requeremos junto de vós uma acção firme e resoluta, para que na longa história da exploração de trabalho precário no sector empresarial do estado, a RTP, uma das últimas empresas bandeira de Portugal, deixe de ser um péssimo exemplo.

É tempo de V. Exas. acabarem de vez com o péssimo exemplo que é o recurso sistemático ao trabalho precário na RTP!

A Direcção Nacional do SINTTAV