índiceManuel Heitor no País das Maravilhas?!
De certeza que não é Portugal, pelo menos a crer pelos números.

O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior participou há, precisamente, uma semana (terça-feira passada), num debate televisivo sobre a Ciência em Portugal e apresentou números que deturpam a realidade da Ciência em Portugal. Referindo-se ao investimento em ciência e sustentando o seu aumento progressivo face ao passado, Manuel Heitor afirmou que há 5 anos, em 2015, Portugal investia 1,2% do PIB em ciência, e que hoje investe 1,4% (valor relativo a 2019, último dado disponível). Omite, porém, que 10 anos antes, em 2009, quando era Secretário de Estado do MCTES, se investia 1,58% do PIB em ciência. Ou seja, dez anos depois o investimento em ciência decresceu.

A mesma lógica foi aplicada em relação ao aumento do volume de financiamento dos projetos. É fácil escolher um ano, entre 2014 e 2017, para demonstrar um aumento em 2019. Mas mesmo comparando o investimento da FCT em 2019 com o que aconteceu em 2010, verificamos que o aumento se aproxima dos 6,5% e não nos 30% com que Manuel Heitor se regozija.

Estes são dois exemplos que podem levar-nos a concluir uma de duas coisas: ou o ministro desconhece a realidade, o que seria grave, pois quem governa área tão importante como esta não pode ignorar o que se passa; ou, então, decidiu ser económico com a verdade − escolhendo o momento temporal mais próximo do presente onde o investimento foi mais baixo, para depois dizer que cresceu imenso −, procurando que a realidade parecesse o que não é. Fosse qual fosse a razão seria sempre grave, confirmando as dificuldades de Manuel Heitor para governar um setor de tão grande complexidade como aquele que está sob sua tutela.

Mas há mais, Manuel Heitor parece não entender o significado de precariedade nem as profundas implicações na vida de quem assim trabalha. Por trabalho precário entende-se todo o trabalho realizado com vínculos laborais instáveis e de que são exemplos não só as bolsas ou os recibos verdes, mas também os contratos a prazo. Quando confrontado com o fracasso do PREVPAP, que permitiria a integração em carreiras com o correspondente contrato permanente, isto é, com um contrato estável, responde referindo-se a todos os tipos de contratações de investigadores e docentes, fugindo, como habitualmente, ao assunto. E mesmo assim, se por um lado os números de contratações podem estar corretos de acordo com a formulação utilizada pelo ministro, há que esclarecer que Manuel Heitor está a falar maioritariamente de contratos a prazo, ou seja, contratos precários e está a considerar todo o tipo de contratações para docentes e investigadores, incluindo contratações que não são financiadas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e contratações que não se encontram ao abrigo das alterações legislativas que ocorreram durante a governação de Manuel Heitor, a saber, o Programa de Estímulo ao Emprego Científico e o PREVPAP.

É positivo muitos investigadores terem finalmente tido acesso a contratos de trabalho, em vez de bolsas de investigação, mas continuam em situação precária, e muitos têm visto os contratos caducar. O número de contratações para a carreira, com contratos de trabalho por tempo indeterminado, é residual. O Programa de Estímulo ao Emprego Científico, a grande bandeira do ministro, realiza contratações a prazo em 97% dos casos, e o PREVPAP, enquanto programa com que o governo se comprometeu para regularizar as contratações precárias do Estado, foi um logro para os para os docentes e investigadores do ensino superior.

Não é a primeira vez que o ministro e o seu ministério revelam dificuldades para, de forma séria, darem resposta a problemas que há muito se arrastam. Por exemplo, no âmbito do PREVPAP não foram raras as vezes em que, embora sendo indiscutível a irregularidade de determinado vínculo precário, os representantes do MCTES, capturados pela lógica das instituições, inviabilizaram a sua regularização; aliás, os representantes do MCTES promoveram critérios tão exigentes que se traduziram numa taxa de aprovação global de 13% num total de 3264 requerimentos, isto é, dando assim corpo à recusa do ministro em reconhecer a existência de um sistema científico baseado na precariedade. O ministro argumentará, certamente, que todos quereríamos mais, incluindo o próprio, mas parece esquecer-se de que ele não é um investigador (argumento ao qual gosta de recorrer nestas situações), mas sim o responsável máximo do sector, e logo a pessoa a quem podemos imputar a quase inexistente integração de trabalhadores científicos em carreiras verdadeiramente estáveis.

Noutro plano, mas demonstrando que há compromissos do ministro que não são honrados, lembra a FENPROF que este, em reunião realizada em 23 de novembro, se comprometeu a apresentar projetos para negociação, com esta a concluir-se antes do final do primeiro trimestre de 2021, que dariam resposta a problemas que se arrastam há anos, contudo, já entrámos no segundo trimestre e tais projetos não foram sequer apresentados.

Esta é uma situação intolerável. A Ciência, a Tecnologia e o Ensino Superior devem ser governados de forma séria, com os compromissos a serem respeitados e a realidade a ser reconhecida, sob pena de os problemas não serem resolvidos e se agravarem. No sentido de exigir negociação e soluções para os problemas, a FENPROF irá convergir com a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), no próximo dia 16 de abril, e participar na concentração de investigadores e bolseiros que terá lugar junto ao MCTES (Estrada das Laranjeiras, em Lisboa), onde será entregue um abaixo-assinado exigindo a urgente prorrogação de todas as bolsas em curso ou que tenham terminado durante a vigência das medidas de contingência — direta ou indiretamente financiadas pela FCT ou por outras entidades.

FONTE: Fenprof