É amplamente conhecido que os preços da energia, seja a electricidade, o gás natural ou os combustíveis derivados do petróleo, são muito elevados em Portugal, estando situados nos lugares cimeiros entre os praticados nas quase três dezenas de países da União Europeia.

Se fizermos a comparação tendo em conta a Paridade de Poder de Compra (PPC), os preços sobem ao pódio, ficando o panorama ainda pior para os consumidores portugueses, significando uma muito elevada taxa de esforço, principalmente para os consumidores domésticos (indivíduos ou famílias), mas também para as micro, pequenas e médias empresas, prejudicando a produção nacional e as exportações.

As pessoas e famílias vêem grande parte das suas remunerações consumidas em energia, desde a electricidade aos combustíveis necessários para as deslocações em viaturas. E desde já se deve dizer que a grande campanha que vem sendo feita em prol das viaturas eléctricas irá conduzir, também nesse caso, a facturas muito significativas (Abordaremos essa matéria oportunamente).

Muitos estarão recordados da grande campanha política lançada nos anos 80 do Século XX em prol, primeiro, da liberalização do sector energético e, logo depois, da privatização do mesmo.

Dizia-se nos jornais, nas rádios e nos canais de televisão (poucos, na altura) que era fundamental liberalizar para, através do mercado, baixar os preços, e, por outro lado, que seria necessário privatizar, para que a gestão das empresas fosse melhor.

Mesmo aqueles que já nasceram depois desse tempo são testemunhas do nível brutal a que chegaram os preços, conhecendo-se, também, o enorme volume de lucros, assim como das chamadas rendas excessivas que beneficiam os accionistas privados, muitos deles estrangeiros. O nível de atendimento dos consumidores (clientes) só é bom quando os comercializadores querem estabelecer contratos, piorando depois disso para níveis por vezes inaceitáveis.

Por exemplo, no caso da electricidade, a análise aos preços e tarifas vigentes em Portugal constitui um exercício complexo, que não é muito fácil captar pelos cidadãos em geral.

As dificuldades de leitura agravam-se quando se consubstancia numa síntese focada em quatro vertentes principais, ou seja: a interpretação dos dados estatísticos, a sua comparação com valores homólogos europeus, as razões fundamentais para as alterações registadas e as consequências gerais do ponto de vista socioeconómico e energético.

Iremos deixar aqui registados alguns dados, com o objectivo de tentar que os sindicalizados e as pessoas em geral fiquem detentores de mais e melhor informação.

Electricidade

Sabe-se que as pessoas se referem, em geral, àquilo que pagam pela electricidade como a «tarifa da luz».

Isto acontece por conhecidas razões socioculturais e, também, devido ao referencial político-económico subjacente a este bem/serviço fundamental para as famílias, as organizações e as empresas, que determinou que o seu preço tivesse um carácter público durante muitas décadas.

Em face das características do sector, hoje quase completamente privatizado, as tarifas continuam, em grande parte, a ser reguladas, para além da carga significativa de regulamentação feita por entidades públicas (designadamente a ERSE e a DGEG). Ou seja, não obstante a devoção ao mercado e à iniciativa privada, manifestada pelos dirigentes políticos governamentais e outros agentes particulares, uma «concorrência ideal» não existe, nem nunca poderia existir, devido às características técnicas e económicas das chamadas indústrias de rede. Em grande parte, os preços são «regulados» de uma forma que tem sido muito boa e confortável para as empresas privadas de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade.

Grande parte dos consumidores domésticos e empresariais apenas sabe quanto paga quando é apresentada a factura. Contudo, já não lhes é muito compreensível o que estão concretamente a pagar, e, sobretudo, o porquê da quantidade de dinheiro que têm de desembolsar.

Trata-se de um grande universo de pessoas, famílias e empresas que são sujeitas a este regime de preços, como podemos constatar neste quadro, elaborado com dados da DGEG relativos a 2019.

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Atendendo a que, em todo o País, se tem de pagar uma tarifa (preço) de electricidade que é muito idêntica em cada uma das várias categorias de consumidores e classes de consumo, e, por outro lado, que estas prestações têm experimentado uma drástica subida – embora em alguns dos anos mais recentes, devido à grande pressão política realizada na Assembleia da República, tenha havido alguma moderação –, torna-se necessário fornecer mais elementos para reflexão e compreensão sobre o referencial que determina tal estado de coisas.

O Sistema Eléctrico Nacional (SEN), que sofreu profundas alterações nas últimas duas décadas e meia, está, no presente, organizado e é constituído por várias componentes, como se pode ver na Figura 1.

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O transporte e a distribuição de electricidade são actividades desenvolvidas em regime de monopólio por empresas, agora privadas, através de concessões públicas atribuídas pelo Estado e, no caso da distribuição em baixa tensão, pelos municípios.

A REN é a empresa responsável pelo planeamento, desenvolvimento e gestão (operação) da Rede Nacional de Transporte (RNT). Esta empresa, privada, assegura ainda a coordenação das infra-estruturas do SEN, de forma a garantir a operação integrada e eficiente do sistema, bem como a continuidade e qualidade do abastecimento de energia eléctrica.

A Rede Nacional de Distribuição (RND) é operada através de uma concessão exclusiva, atribuída pelo Estado português à empresa e-Redes (ex-EDP Distribuição), integrada no grupo privado EDP, Energias de Portugal, SA. A exploração desta rede nacional de distribuição em média e alta tensão é efectuada nos termos do artigo 31.º e do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 29/2006, do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 172/2006
e do contrato de concessão outorgado em Fevereiro de 2009, tendo sido atribuída pelo Governo sem qualquer concurso e sem dar lugar a pagamento.

As redes de distribuição de Baixa Tensão têm vindo a ser operadas também pela e- Redes (nota: sempre que, de ora avante, aparecer EDP Distribuição, isso significará e-Redes), ao abrigo de concessões municipais, estando no presente em curso um processo para realização de um concurso internacional com vista à atribuição de uma nova concessão (ou de duas ou três) por vinte anos.

A exploração das redes distribuição em baixa tensão é, de facto, efectuada por concessão dos 278 municípios do Continente, em conformidade com o art.º 31.º e o art.º 71.º do Decreto-Lei n.º 29/2006, mediante contratos de concessão, celebrados com os municípios – ao abrigo do Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, da Portaria n.º 454/2001, de 5 de Maio, do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 172/2006 e do contrato de concessão outorgado em Fevereiro de 2009 –, os quais, por esse facto, auferem uma renda, nos termos fixados no Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Dezembro.

As actividades de produção e comercialização de electricidade, bem como a gestão dos mercados de electricidade organizados, estão abertas à concorrência, embora sujeitas à obtenção de licenças e aprovações administrativas necessárias.

A comercialização de energia eléctrica é efectuada sob dois regimes:

  • O regulado, em que o comercializador de último recurso (CUR), único, vende a energia a clientes elegíveis a um preço (tarifa) fixado anualmente pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE);
  • O de mercado, em que os comercializadores negoceiam com os consumidores (clientes) as condições comerciais para o fornecimento de energia eléctrica e, por vezes, outros serviços associados.

A comercialização, elemento final da cadeia de valor, é feita por empresas muito diversas em dimensão e grau de integração no sector, que são responsáveis pela gestão das relações com os consumidores finais, incluindo a facturação.

As actividades que integram o Sistema Eléctrico Nacional (SEN), devem garantir a permanente disponibilização de energia eléctrica aos consumidores em todas as partes do território português, em termos adequados de qualidade e quantidade, concretizando este objectivo central com base em princípios de racionalidade e eficiência dos meios que integram o sector eléctrico, desde a produção até ao fornecimento de electricidade ao consumidor final.

A energia elétrica, sendo um bem socioeconómico essencial, está sujeita a obrigações de serviço público que responsabilizam todas as entidades publicas e privadas intervenientes no sector que, assim, devem assegurar, na prestação deste serviço de interesse publico, os seguintes princípios essenciais:

  • garantia da universalidade de prestação do serviço
  • segurança, regularidade e qualidade do abastecimento;
  • garantia da ligação de todos os clientes às redes;
  • protecção dos consumidores, designadamente quanto a tarifas (preços).

A intensa liberalização de mercados e a privatização empresarial que ocorreu no sector eléctrico trouxeram, entre outras coisas, uma grande complexidade e perdas de eficiência técnico-económica, para além das subidas de preços e tarifas a que já nos referimos.

FONTE: FIEQUIMETAL