Cultura em LutaEm plena maratona de discussão do Orçamento do Estado, fomos subitamente confrontados com a iminente apresentação do chamado “Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura”, no que mais parece um estratagema para mascarar a irrelevância do peso orçamental proposto para o sector.

Durante pouco mais de um ano desenvolvemos e participamos em dezenas de reuniões, plenários, ações de informação e luta. Fizeram-se chegar dezenas de contributos para dar conhecimento ao governo dos problemas crónicos dos trabalhadores da Cultura ainda por cima agudizados pela suspensão da quase totalidade da sua actividade profissional. A enorme distância entre o que os trabalhadores da Cultura precisam e o entendimento que o Governo mantém, pouco ou nada se reduziu durante este ano.

O CENA-STE considera que o processo de discussão de uma legislação para as profissões do sector que tenha em conta as suas especificidades e os anseios dos seus trabalhadores foi apenas iniciado. A legislação como a que se pretende impôr visa apenas legalizar e perpetuar a precariedade e bloqueia caminhos que possam de facto elevar os direitos e a protecção social dos trabalhadores das Artes de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos. Lembramos as conclusões e Notas que o CENA-STE publicou no final de Junho.

Mantemos as exigências para o Estatuto:

> Um Estatuto que cumpra a autorização legislativa que deu início ao seu processo de criação - de combate à precariedade e não a sua promoção;
> Um estatuto que revogue a lei 4/2008 e promova a contratação e os vínculos estáveis de trabalho;
> Um estatuto que promova a liberdade de criação e fruição cultural a todos, e não um que impeça o acesso às profissões culturais;
> Um estatuto que garanta protecção social, promovendo o acesso dos trabalhadores à sua carreira contributiva por via da contratação e não pelo recurso a modelos vantajosos (para as empresas) de precariedade;
> Um Estatuto que reconheça o que é diferente e específico, regulando essas especificidades a partir dos direitos laborais já existentes;
> Um Estatuto que comprometa as instituições culturais públicas e todas as privadas que gozem de apoios públicos a cumprirem regras claras de contratação dos profissionais da área da cultura, reconhecendo a sua natureza de trabalho subordinado. Para isso é essencial o reforço do financiamento destas estruturas.

Cultura em Estado de Emergência

Sobre o OE

Os valores anunciados continuam longe do objectivo de fundo e que seria de facto transformador, de 1% do OE, sem subterfúgios nem cativações. Dos valores anunciados no OE do ano passado de apoio directo à produção cultural, de cerca de 20 milhões, foram executados apenas 12 milhões. É fácil perceber que não existe intenção séria por parte do governo em apoiar de forma consistente a produção artística nacional. Não basta orçamentar, é preciso que as verbas anunciadas sejam cumpridas e implementadas.

Só assim será possível:
> Combater os vínculos precários e ilegais fomentando o contrato de trabalho, começando pela responsabilização das entidades empregadoras públicas e com financiamento público;
> Financiamento adequado às estruturas artísticas que permita condições para construir e exigir relações laborais com os trabalhadores, quer as de carácter permanente, quer as de carácter temporário, assentes na legalidade e na plenitude dos direitos e garantindo que estruturas consideradas elegíveis aos apoios da DGArtes não fiquem de fora;
> Instituição da obrigatoriedade contratual em todos os projectos com subvenções públicas. Celebração e uniformização de contratos de trabalho, por parte das entidades (produtoras, companhias, estruturas, etc.) beneficiárias de subsídios da DGArtes, ICA, RTP ou outros, destinados à criação artística e actividades culturais, a partir de um reforço de condições e montantes de financiamento às entidades apoiadas que lhes permita construir relações laborais permanentes.

Temos de olhar para as consequências da pandemia no sector, que vai ter efeitos duradouros que têm de ser avaliados e precisam de uma resposta bem diferente da que tivemos até agora.

As consequências do OE para a Cultura não vêm só da parte do financiamento para o Ministério da Cultura. Medidas como o aumento do salário mínimo e o combate generalizado à precariedade têm como consequência maior capacidade de acesso à fruição e criação cultural. Por isso, só um verdadeiro reforço dessas medidas poderá contribuir para essa transformação. Hoje os nossos trabalhadores e o povo estão distantes desses direitos, fruto das suas condições de vida e do empobrecimento.

As medidas e apoios de emergência do último ano e meio não chegaram à grande maioria dos trabalhadores do sector e precisam de avaliação urgente. Há medidas que têm de ser mantidas ou retomadas, como é o caso das moratórias e dos apoios extraordinários aos trabalhadores independentes.

Fonte: CENA-STE