O combate ao assédio laboral é fundamental para assegurar condições dignas de trabalho e de vida para os profissionais de todos os setores produtivos. Em muitos casos é patente a dificuldade em provar o assédio, seja pela dificuldade na obtenção de provas, seja pela permissividade por parte de dirigentes e chefias, seja ainda pela ausência de códigos de conduta nas instituições.
Um exemplo flagrante desta indulgência inaceitável perante comportamentos abusivos sobre os trabalhadores ocorreu na extinta Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). Em dezembro de 2023, o Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia (STARQ) denunciou à DGPC, ao Ministério da Cultura e à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) – que remeteu para a Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) -, a prática de assédio moral e laboral, que decorreu de forma continuada durante mais de dois anos, por parte de um trabalhador a quem foram atribuídas funções de coordenação, sob negligente indiferença dos dirigentes da DGPC.
Contra um grupo de trabalhadores foram escritas e dirigidas expressões comprovadamente acusatórias e ofensivas que os fizeram sentir-se humilhados, diminuídos e dispensáveis enquanto profissionais. Foram difamados, desconsiderados, advertidos, ameaçados e punidos por terem opiniões divergentes, tiveram orientações contrárias aos despachos superiores, viram os seus pareceres impedidos de ter despacho e ser rasurados. Estes trabalhadores também sofreram avaliações negativas sem enquadramento legal e ameaças de instauração de processos disciplinares, nomeadamente por motivos de discordância técnica, colocando em causa a sua independência, autonomia e progressão na carreira. Os trabalhadores sofreram acusações de absentismo quando gozavam legítimas licenças de apoio familiar, paternidade e casamento, ou mesmo férias.
Os dirigentes da DGPC promoveram uma reunião entre os trabalhadores vítimas de assédio e o trabalhador com funções de coordenação acusado de assediar, onde aqueles expressaram e demonstraram o desconforto existente. Mas, extraordinariamente, nessa reunião, os dirigentes presentes defenderam e elogiaram a atuação do trabalhador em funções de coordenação. Este confronto direto não resultou em nenhuma medida concreta para solucionar o conflito e contribuiu para agravar a situação verificada, para causar um profundo sentimento de desconforto e receio nos trabalhadores, para desincentivar toda e qualquer participação futura deste tipo de situações.
Tendo em conta a omissão dos dirigentes da DGPC, a ausência, naquele organismo de um Código de Conduta de Prevenção e Combate ao Assédio Laboral (conforme impõe a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) e a denúncia do STARQ, a DGPC abriu um processo de inquérito. O relatório, apresentado em Junho de 2024, no entretanto criado Património Cultural, I.P. (PC, IP), concluiu que não foi praticado qualquer ato subsumível no conceito de assédio laboral, por se considerar que tal depende da existência de uma posição de superioridade hierárquica que não se verificava, pois, o trabalhador acusado não era dirigente. Concluiu ainda que foram praticados atos ilícitos, que houve ordens abusivas, atos injustos, relação imprópria e nomeações ilegais. Refere também que os trabalhadores alvo de assédio não deveriam obedecer ao trabalhador com funções de coordenação. Mas, ainda assim, o inquérito foi arquivado e, como tal, o STARQ interpôs recurso tutelar junto do Ministério da Cultura, com vista à sua impugnação.
Decorridos cerca de quatro anos do início dos factos acima descritos, mais de dois anos após a denúncia apresentada junto da DGPC/PC, IP e IGF/IGAC e nove meses após o recurso tutelar interposto ao Ministério da Cultura, os trabalhadores alvo de assédio moral e laboral e o STARQ ainda aguardam uma resposta, num grave desrespeito pela legislação, boas práticas e ética do serviço público que mina, de forma indelével, a confiança dos trabalhadores no Estado, enquanto empregador. Ficam ainda por assegurar pela IGAC (entidade com competência inspetiva na área governativa da Cultura, segundo a IGF), mecanismos que permitam o contraditório, nas decisões da DGPC/PC, IP.
Note-se que, não obstante as conclusões do inquérito e quase um ano depois, o PC, IP continua a não dispor de um Código de Conduta de Prevenção e Combate ao Assédio Laboral, nem promoveu qualquer resolução ou responsabilização sobre as ações ilícitas, abusivas, impróprias, injustas e ilegais detetadas pelo seu inquiridor.
Assim, à luz deste tipo de situações que, lamentavelmente, têm vindo a surgir no seio da Arqueologia sem consequentes conclusões, cumpre ao STARQ, portanto, enfatizar a importância das entidades públicas e privadas estabelecerem canais de denúncia de fácil acesso, seguros e consequentes, que permitam o tratamento célere e eficaz de quaisquer irregularidades e infrações reportadas e mantenham o anonimato e segurança dos participantes, de forma a ser possível proporcionar-se um ambiente de trabalho saudável e livre de assédio.
Realça-se, de igual modo, que a implementação de mecanismos que previnam e sensibilizem para situações de assédio, designadamente, um Código de Conduta adequado e com normas claras sobre os comportamentos aceitáveis e inaceitáveis no local de trabalho, bem como de outros instrumentos que permitam proteger as vítimas, é fundamental.
Por fim, reitera-se o entendimento deste Sindicato, em linha com a jurisprudência que tem vindo a ser desenvolvida pelos Tribunais Judiciais[1] a este respeito, que o assédio laboral não se verifica apenas quando existe uma relação hierárquica entre o infrator e o ofendido (assédio laboral vertical), mas também quando ocorre, de forma reiterada e intencional, com comportamentos humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade entre colegas situados no mesmo plano hierárquico (assédio laboral horizontal).
Se qualquer Associado do STARQ considerar que se encontra a ser alvo de assédio por parte de dirigentes ou colegas, recomendamos que recorram aos canais de denúncia adequados para relatar a situação e informem o sindicato, que poderá prestar apoio e acompanhar o caso, e tudo fará para assegurar a proteção dos direitos dos trabalhadores em questão.
FONTE: STARQ – Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia