6. A UNIÃO EUROPEIA
6.1. A nova arquitectura institucional
6.2. O alargamento
6.3. As políticas económicas
6.4 A dimensão social
6.5 A coesão económica e social
6.6 Os serviços públicos

6. A UNIÃO EUROPEIA

6.1. A nova arquitectura institucional

6.1.1. Desde o seu V Congresso que a CGTP-IN definiu o processo de integração europeia como correspondendo à fase actual do desenvolvimento do sistema capitalista, na Europa tendo como elementos centrais a livre circulação de capitais e a liberalização e desregulamentação, como factores de concentração e centralização capitalista a favor das grandes potencias no quadro da sua competição com os EUA e o Japão. Entretanto, a existência de um conjunto de valores sociais (o modelo social europeu) fundamentalmente resultante da intervenção e da luta dos trabalhadores europeus, ao longo de décadas, é alvo da poderosa ofensiva neo-liberal do patronato e dos governos. Se não se aprofundarem a dimensão e a coesão sociais e se as políticas dos governos europeus não se distanciarem dos modelos mais desregulamentadores e anti-sociais de outros pólos capitalistas, a União Europeia não estará em condições de se apresentar como uma real alternativa ao neoliberalismo que comanda o processo de globalização em curso. Esta definição é enquadradora da apreciação que a CGTP-IN efectua sobre o processo de revisão.

6.1.2 Uma observação atenta sobre o último processo de revisão dos Tratados da UE, mostra-nos, inquestionavelmente, múltiplas contradições, designadamente quanto: à possibilidade de o Tratado prevalecer sobre as constituições nacionais, pelo que os Estados deixariam de dispor de soberania constitucional (artigo 10º); à possibilidade de a União se afirmar como um projecto de cooperação, coesão e paz entre os povos soberanos e iguais entre si, com respeito pelo papel dos Estados, quando se perspectiva a criação pela UE, de segurança e defesa comuns, em complementaridade com os da NATO, sobre a hegemonia dos EUA; ao projecto, ser portador de mecanismos sólidos e respeitadores da soberania e das formas dela ser partilhada entre os seus membros; ao impacto da acção das forças políticas e sociais da direita e extrema-direita que, neste contexto, estão apostadas em aproveitar o processo, de revisão para impor nos diversos países da U.E. e no próprio projecto europeu, um retrocesso ideológico social, cultural e de valores, esvaziando regimes democráticos e pondo em causa o princípio da harmonização no progresso. Observe-se o que se passa já, no nosso país, em que a direita e a extrema-direita no Governo e com maioria na Assembleia da República, invocam implicações da revisão do Tratado para forçarem uma Revisão Constitucional que subverteria o Portugal Democrático, ao mesmo tempo que esconderia a gravidade das políticas da actual governação.

6.1.3. Para a CGTP-IN o novo Tratado deve garantir a salvaguarda do modelo social, abrindo novas perspectivas quanto ao seu aprofundamento, aspecto fundamental devido, quer ao alargamento, quer à abertura crescente das trocas internacionais, no sentido de, nesse espaço mais amplo, ser defendido como quadro de referência obrigatória. A proposta que tem estado em apreciação integra a Carta dos Direitos Fundamentais, mas esta, já de si insuficiente, corre ainda o risco de haver disposições relativas à sua interpretação (ainda não definida), que podem limitar o seu alcance e a Carta vir a ser utilizada como moeda de troca nas delicadas negociações que se vão desenvolver. O Tratado tem de continuar a garantir o princípio da igualdade entre Estados, o que significa a possibilidade de Portugal e os portugueses continuarem a definir, defender e decidir os seus interesses vitais. Para se atingir este objectivo parece indispensável: manutenção do direito de veto em matérias altamente sensíveis, como instrumento de último recurso para afirmação da soberania; continuação das Presidências rotativas em respeito pela igualdade entre Estados; garantia do princípio de um Comissário por país, contrariando a admissibilidade de diferenciações que, na prática, conduziriam ao conceito de efectivos e suplentes; reforço dos Parlamentos Nacionais em matéria comunitária; manutenção da língua portuguesa como língua oficial e de trabalho.

6.1.4. É preciso um debate sério na sociedade portuguesa, que implique, também, no seu desenvolvimento, a realização de um Referendo em tempo útil. Para a CGTP-IN qualquer alteração aos tratados deve ser orientada no sentido de garantir uma Europa mais democrática, respeitadora dos direitos humanos e do meio ambiente, na valorização das condições sociais, de serviços públicos de qualidade e acessíveis a todos, de paz e de progresso

6.2. O alargamento

6.2.1. A UE contará a partir de Maio de 2004 com mais 10 membros, provenientes sobretudo de países da Europa Central e Oriental. É o maior alargamento e aquele que coloca mais interrogações. Representa um desafio para a coesão social da União, devido ao aumento das disparidades dos níveis de vida face a anteriores alargamentos e à desregulação dos sistemas sociais em muitos dos países da adesão. Tem consequências no plano da reforma das instituições, estando em curso a revisão dos Tratados. É também um teste à vontade dos países mais desenvolvidos de apoiarem, através de adequados recursos financeiros, o desenvolvimento com vista à convergência real, quer nos países aderentes quer no actual grupo dos países da coesão. A discussão da programação orçamental de 2007 a 2013 tem ainda uma maior relevância no actual contexto.

6.2.2. A CGTP-IN não se opôs ao alargamento, desde que isso traduzisse a vontade dos respectivos povos. Mas há que reconhecer que existem riscos, particularmente no que respeita à situação portuguesa, quanto a um acentuar da periferização do país, ao perigo de se enfraquecerem as políticas estruturais, a uma menor capacidade de atracção de investimento directo estrangeiro e ao risco de deslocalização de empresas. Existem riscos para a competitividade da economia portuguesa numa UE alargada a que se junta a liberalização em curso do comércio internacional. Uma perda de competitividade tem consequências no emprego (destruição e não criação de empregos). Para a CGTP-IN é crucial discutir o modelo de desenvolvimento de forma a romper com o modelo de crescimento baseado em baixos salários. Teme-se também por uma menor capacidade de atracção de investimento directo estrangeiro e pela deslocalização de empresas, o que nalguns casos se está já a verificar. A resposta tem de passar pela alteração das políticas económica e financeira que dinamizem o investimento directo estrangeiro de qualidade e que aprofunde a concepção e modelo de desenvolvimento sustentado. O problema não está sobretudo ao nível dos incentivos, sendo, no entanto, necessário maior rigor na sua atribuição, na sua fiscalização e mesmo na exigência de responsabilidades, contrapartidas e penalizações às empresas que se deslocalizam.

6.2.3. No plano europeu, existe o risco de esvaziamento do modelo social europeu. Muitos dos países que irão entrar tem níveis salariais muito baixos, geralmente entre 1/5 e 1/3 do salário médio europeu, pelo que o risco de dumping salarial é real; os mercados de trabalho estão desregulados; a negociação colectiva é incipiente em muitos destes países e as multinacionais actuam como força desreguladora; a segurança social foi, nalguns países, enfraquecida com reformas de carácter neoliberal. Em síntese, pode resultar do alargamento, se as actuais tendências não forem contrariadas, o aprofundamento das diferenças na União Europeia, que na fase inicial é inevitável, e uma desregulamentação do trabalho em larga escala.

6.3. As políticas económicas

6.3.1. A aceleração da integração económica, a realização do mercado interno e a adopção do euro conduziram a um novo quadro económico, compreendendo um aumento da coordenação das políticas económicas e no sentido da subordinação da economia dos países mais pobres aos interesses dos países mais ricos. Passou a existir uma política monetária e cambial única na União Europeia; as políticas orçamentais ficaram sujeitas às regras restritivas, nomeadamente as que resultam do Pacto de Estabilidade e de Crescimento; as competências da UE alargaram-se a novos domínios, como o da coordenação das políticas nacionais de emprego. A coordenação tem como instrumento as Grandes Orientações de Política Económica (GOPE). Para a CGTP-IN é necessário uma maior coordenação económica com vista a impulsionar o crescimento, melhorar o nível de vida e implementar a convergência real das economias europeias conforme o exigem os tratados nos capítulos da coesão económica e social. O problema está na concepção liberal subjacentes às GOPE. Estas são dominadas por políticas orçamentais e salariais restritivas e pela ênfase posta nas chamadas políticas estruturais (liberalização da economia).

6.3.2. A política monetária passou a ser definida pelo Banco Central Europeu (BCE) uma instituição de carácter supranacional sem responsabilidade democrática. O objectivo principal é o da estabilidade dos preços, sem ter em contra outros objectivos como a crescimento económico e o emprego a exemplo do que acontece com outros bancos centrais no mundo e mesmo na UE nos países que não integram o euro. Apesar disso, a estratégia está assente numa visão estritamente monetarista da inflação, segundo a qual a sua principal causa tem origem no crescimento não controlado da massa monetária em circulação. Para a CGTP-IN o objectivo de inflação deve ser estabelecido por instituições legitimadas democraticamente, deve ser um instrumento de uma política de desenvolvimento e deve conciliar o controlo dos preços com o crescimento económico e o emprego.

6.3.3. A política orçamental mantém-se na competência nacional, mas está condicionada por regras comunitárias. Os critérios de convergência determinam que o défice orçamental de cada país não pode exceder 3% do produto e a dívida pública 60%. O Pacto de Estabilidade e de Crescimento reforçou estes critérios e fixou sanções em caso do seu não cumprimento. O abrandamento económico iniciado em 2001 veio demonstrar que estas regras são restritivas ao tratarem de modo igual países com níveis de desenvolvimento diferentes e ao entravarem o recurso a políticas orçamentais que impulsionem a actividade económica, já que os países não podem agravar o défice público e têm de cumprir os programas que exigem que a médio prazo as contas públicas estejam equilibradas. As mesmas limitações podem ocorrer quando os países têm necessidade de recorrer à política orçamental para enfrentarem choques económicos, o que é agravado por não se preverem apoios financeiros a esses países. Na avaliação do défice excessivo deve-se ter em conta a natureza das despesas e a necessidade dos países mais atrasados de realizarem maiores investimentos económicos e sociais para impulsionar o desenvolvimento económico e recuperarem atrasos. As restrições orçamentais estão a ser utilizadas como pano de fundo para impor cortes nas políticas sociais como a educação, a saúde, a segurança social, a habitação, a assistência social e contenção salarial na Administração Pública. A CGTP-IN reclama uma urgente e profunda reforma do pacto de estabilidade e de crescimento de forma a corrigir injustiças, salvaguardar o Estado Social e a assegurar que, em cada país, não sejam criados entraves a uma política económica que aposte claramente no investimento, factor dinamizador da economia, da criação de emprego e de uma Europa mais social. Esta reforma é tanto mais urgente e profunda quanto a França e Alemanha decidiram não respeitar o pacto, alegando interesses nacionais.

6.4 A dimensão social

6.4.1.O modelo social europeu representa um conjunto de valores e de instituições, essencialmente resultantes da intervenção e da luta dos trabalhadores, que importa preservar e aprofundar. Os seus elementos constitutivos fundamentais são um elevado nível de protecção social, o reconhecimento de direitos sociais dos trabalhadores, a livre negociação colectiva como elemento regulador do trabalho e a existência de serviços públicos.

6.4.2. A Europa social é posta em causa pelo elevado desemprego, pelo crescimento da pobreza e das desigualdades, pelo elevado número de trabalhadores com estatutos precários de emprego, pelas políticas de privatização quer de empresas quer de serviços públicos. A Cimeira de Lisboa anunciou objectivos ambiciosos com vista a atingir uma economia competitiva baseada no conhecimento. Foi reconhecida a necessidade de prosseguir o objectivo do pleno emprego, de se apostar na qualidade do emprego e de fazer caminhar a par o económico e o social. Mas apontou ao mesmo tempo para a liberalização económica e está a observar-se que é esta a dimensão que está a avançar, pondo em causa o modelo social europeu, ao mesmo tempo que as políticas económicas não asseguram um crescimento de 3% definido na Cimeira de Lisboa.

6.4.3.O modelo social europeu enfrenta os riscos resultantes de políticas económicas conservadoras baseadas na ortodoxia financeira. Os condicionalismos resultantes do Pacto de Estabilidade e de Crescimento estão a ser utilizados para pôr em causa direitos sociais por via da redução do papel do Estado em áreas fundamentais como a educação, a segurança social e a saúde e a restringirem o emprego e os salários na administração pública.

6.4.4.O modelo social europeu enfrenta os desafios do alargamento. O aprofundamento das diferenças na União Europeia constituirá uma das principais consequências à qual acrescem os riscos de dumping salarial e de uma desregulamentação do trabalho em larga escala. A CGTP-IN defende que as mudanças profundas nas economias e nas sociedades exigem o desenvolvimento e o reforço do modelo social europeu para que continue a constituir um elemento fundamental de referência da União Europeia face às outras regiões do mundo.

6.5 A coesão económica e social

6.5.1.Os princípios de coesão, territorial e social, e de solidariedade estão inscritos no Tratado da UE. Os apoios financeiros comunitários, através dos fundos estruturais, não são por si só suficientes. A coesão e a solidariedade dependem das dinâmicas económicas e sociais e da orientação geral das políticas. Mas os fundos estruturais são importantes atendendo a que têm contribuído para o crescimento, para a dotação dos países em infra-estruturas básicas, para a criação de novos empregos e para o desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas.

6.5.2.No actual quadro europeu e internacional, é imprescindível o reforço da política de coesão económica e social. Existe uma forte pressão para a liberalização do comércio internacional, o que acelerará a concorrência a nível global. O euro tem impactos económicos que podem acentuar a actual polarização entre um centro desenvolvido e regiões periféricas. O alargamento significa o aumento das disparidades na UE. Estes três factores (comércio internacional, euro e alargamento) podem conduzir a um aumento das desigualdades territoriais (entre países e entre regiões) e sociais se não existir um reforço da política de coesão. A próxima discussão da programação financeira para o período 2007/2012 será um teste. A CGTP-IN reclama que nesta discussão se tenham em conta estes impactos, particularmente os custos resultantes do alargamento para que se verifique uma aproximação dos níveis de vida nos países candidatos e nos actuais países com menores graus de desenvolvimento.

6.6 Os serviços públicos

6.6.1.O sector público, ou, na terminologia comunitária, os serviços de interesse geral, têm um papel essencial na UE. Abrangem quer serviços essenciais à vida e serviços básicos como a água, electricidade, saneamento, transportes, comunicações e telecomunicações, quer o núcleo da estrutura social do Estado como a educação, a saúde e a segurança social. São reconhecidos como uma das componentes do modelo social europeu, um instrumento de coesão social e um factor de desenvolvimento económico. O sector público e os serviços de interesse geral comportam dimensões diferentes nos vários países e a UE deve respeitar esta diversidade, particularmente no que respeita ao regime de propriedade e à concepção de serviço público. Para a CGTP-IN, uma regulamentação dos serviços de interesse geral no plano europeu deve assegurar princípios essenciais, como o acesso igual e universal, o controlo democrático, a acessibilidade dos preços, a qualidade e o pluralismo na comunicação social.

6.6.2.O movimento de liberalização iniciado nos anos 80 reduziu a intervenção do Estado na economia. No entanto, as consequências das privatizações não foram avaliadas. Não basta considerar os aspectos relativos aos preços, ainda que mesmo aqui seja preciso ter em conta o impacto da revolução tecnológica. É preciso considerar outros factores como a perda pelos países de instrumentos de política económica, o bem-estar e a segurança das populações, o controlo do poder económico pelo poder político, o cumprimento das obrigações de serviço público, o pluralismo na comunicação social. Há numerosos fracassos nas reformas orientadas para os mercados em vários países. Para a CGTP-IN, é preciso lutar contra as privatizações e a promoção de parcerias entre o público e o privado nos serviços públicos e exigir que as regras da concorrência não se apliquem aos serviços de interesse geral. Deve-se igualmente exigir uma regulamentação democrática dos serviços públicos liberalizados com envolvimento dos sindicatos e outras partes interessadas, sem deixar de privilegiar um retorno a um regime de propriedade pública. Para a CGTP-IN é vital que os Estados membros assegurem serviços públicos de qualidade, não geridos pela lógica do lucro, orientados para a satisfação das necessidades básicas e dos direitos dos povos.