Introdução

1. A crescente interdependência entre os vários países, num complexo processo de globalização, marcadamente capitalista, neo-liberal e crescentemente belicista, constitui uma das principais características da evolução recente das sociedades Esta globalização de relações económicas, políticas e sociais está a modificar profundamente as regulações antes criadas pelos sistemas nacionais.

2.O intenso desenvolvimento das tecnologias de informação e de comunicação e a sua apropriação pelos grupos económicos e pelas empresas transnacionais constitui o principal suporte do processo de internacionalização, da crescente centralização do capital, do domínio do capital financeiro e da maior desconcentração da actividade produtiva. As novas tecnologias abrem possibilidades imensas de melhorar as condições de vida e de trabalho dos cidadãos, resolvendo muitos dos graves problemas da humanidade. Mas a sua utilização para apoio a modelos neo-liberais de acumulação capitalista, a politicas belicistas e a fins anti-sociais, têm produzido efeitos que conduzem ao desmembramento das estruturas mais democráticas e das normas mais solidárias e de compromisso colectivo, que regeram até muito recentemente, as sociedades mais avançadas e de progresso, fundamentalmente na Europa. Assim, a análise das profundas alterações ocorridas deve ter presente não somente os processos de inovação tecnológica, mas também as características específicas da evolução da estrutura económico-produtiva. A experiência histórica ensina que nenhum avanço tecnológico é neutro nem as suas consequências inelutáveis. Não se trata, pois, de negar o contributo de múltiplos aspectos da mundialização e globalização para o desenvolvimento da actividade produtiva, mas, de tomar consciência de que o modelo capitalista neo-liberal que a estrutura, acompanha e conduz o processo em curso, gera maior instabilidade económica e uma crescente desigualdade social, cada vez mais evidente na concentração da riqueza observada à escala mundial.

3. A globalização desenvolve-se num quadro de expansão da economia de mercado capitalista, estando intrinsecamente ligada ao agravamento das injustiças, da distribuição desequilibrada da riqueza, de ataque aos direitos dos trabalhadores e da substituição do direito pela força das armas. Este processo neo-liberal acentuou-se com a alteração radical do panorama político internacional desenhado na Segunda Guerra Mundial, decorrente do desaparecimento do bloco socialista no leste europeu. Processo que não foi contrariado pela chegada ao poder, em muitos países, de governos socialistas e sociais democratas porque adoptaram, em muitos casos políticas de cariz neo-liberal ao arrepio das suas promessas eleitorais, frustrando expectativas de alternativa. Entretanto, no decorrer dos anos 80 e 90 assistiu-se ao ascenso ao poder da direita mais retrógrada em vários pontos do mundo. No início do século XXI - com a chegada ao poder de George W Bush e com continuadas vitórias eleitorais das forças políticas mais à direita na U.E. e na maioria dos países do centro e leste Europeu candidatos à adesão - deu-se um novo e perigoso impulso às posições das forças mais conservadoras e até fascizantes. Aumentou a quantidade e a intensidade dos conflitos.

4. A paz e a segurança estão crescentemente ameaçadas. As agressões militares desencadeadas pelos Estados Unidos e seus aliados contra a Jugoslávia, o Afeganistão e o Iraque, e a actuação conivente que têm com Israel no massacre contínuo sobre a Palestina evidenciam a sua clara pretensão de domínio imperial – em total desrespeito pela ONU e pelo direito internacional – dos principais recursos energéticos do planeta e de zonas geo-estratégicas fundamentais. Os trágicos acontecimentos do 11 de Setembro foram, neste contexto, aproveitados de imediato pelos Estados Unidos e seus aliados, para a redução de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e para lançar uma forte ofensiva política, económica, social, ideológica e militarista contra os trabalhadores e os povos. Vive-se, hoje, uma nova fase do capitalismo, dominado por uma super potência, os EUA, assente num domínio económico a nível global, suportada por um exército poderoso que submete e invade qualquer país ou povo que se recuse à submissão.

5. Existem pois grandes apreensões sobre o desenvolvimento do processo de construção da União Europeia - sobre se o designado projecto europeu, que na sua génese e evolução tem interpretado a essência capitalista da globalização em curso e, nomeadamente, se o seu "modelo social", poderá resistir à vaga neo-liberal, afirmando-se neste projecto europeu um caminho alternativo ao dos outros pólos capitalistas, nomeadamente dos EUA. Importa realçar as diferentes graduações, características e contradições do capitalismo nos seus três grandes pólos. Se, no essencial, as opções políticas e económicas, assumidas pelo patronato e a maioria dos governos europeus, prefiguram a execução do modelo neo-liberal, mantém-se, no nosso continente, um conjunto de conquistas sociais resultantes principalmente da luta dos trabalhadores e dos povos europeus, consubstanciadas no chamado "modelo social europeu" que é preciso afirmar e defender. Face à globalização desta ofensiva sem precedentes contra os povos e, particularmente, contra os trabalhadores e o seu movimento sindical, reclama-se a globalização da resistência e da luta que desde sempre caracterizaram a intervenção sindical, sustentada pela movimentação dos trabalhadores e dos povos de cada país.

6. Assiste-se em todos os continentes, ao nível dos países, a continuadas e, por vezes, duras e prolongadas lutas contra as medidas mais gravosas do patronato e dos governos. São lutas contra o desemprego, o encerramento das empresas, pelo emprego, pela redução dos horários de trabalho, pelos salários, pela formação e qualificação, pelos direitos laborais e sociais, pelos direitos sindicais, contra a precariedade, contra a onda privatizadora, pela defesa dos serviços públicos, particularmente da segurança social, da saúde e da educação, pela paz, por melhores condições ambientais, a partir de situações concretas, reclamando e sugerindo alternativas. São lutas próprias dos trabalhadores e dos seus sindicatos e, também, acções convergentes e articuladas dos sindicatos com outros movimentos sociais e forças políticas. Assim, e apesar da situação ser difícil e complexa, surgem claros sinais de uma crescente contestação às políticas restritivas e anti-sociais.

7. No plano nacional, a economia está em recessão e os portugueses enfrentam uma clara regressão social e cultural. O país vive uma crise que está muito para além das dificuldades económicas. Esta situação tem origens e responsáveis diversos, designadamente a nível da acção de vários governos (incluindo responsabilidades de Governos PS) e das opções oportunistas do poder económico. Mas o Governo PSD/PP é hoje, inquestionavelmente, o primeiro responsável pelo estado a que o país chegou. É uma crise de viver em sociedade; de enfraquecimento dos valores estruturantes da sociedade; de perda de autoridade do Estado democrático perante as classes e os grupos sociais que têm maior poder económico e influência política e que impõem a sua vontade; de proliferação de poderes paralelos; de descredibilização de instituições democráticas; de recuos na igualdade de direitos, na valorização do trabalho e no valor da solidariedade. Para esta degradação contribui decisivamente a acção determinante das forças sociais e políticas de direita e extrema-direita que, num contexto complexo, se instalaram no poder e governam o país.

8. O país encontra-se numa situação económica difícil. O país entrou na moeda única sem que tivesse feito a necessária convergência real, tendo havido mesmo, nos últimos anos, uma regressão com um crescimento inferior à média comunitária. A economia manteve as suas fragilidades e vulnerabilidades; manteve uma especialização baseada essencialmente em produtos de fraca riqueza incorporada e de escasso conteúdo tecnológico; fez diminutos progressos em relação à produtividade média comunitária; manteve uma elevada dependência de importações; continuou a apostar na mão-de-obra barata, parte da qual imigrada; desperdiçou, por má orientação, um significativo volume de investimento, designadamente no sector produtivo. Estes problemas agudizaram-se com a entrada no euro, com a perda de instrumentos de política económica dele decorrentes, com a perspectiva do alargamento da U.E. e com a liberalização do comércio internacional. Agudizaram-se também com a política de um Governo de direita que fez da redução do défice o único objectivo de política económica. Os resultados estão à vista: aumento do desemprego, deslocalização de empresas, recessão económica.

9. A redução do défice constituiu a justificação para fazer avançar uma política neo-liberal de redução do papel do Estado na economia e na sociedade, em obediência cega ao Pacto de estabilidade e de crescimento assumida pelos últimos governos. As privatizações conduziram a um quase completo desmantelamento do sector empresarial do Estado, apesar dos alertas vindo de vários sectores quanto à perda de centros de decisão estratégicos a favor do capital estrangeiro. O Governo PSD/PP pretende agora ir mais longe através da cessão de gestão, a concessão e a delegação de serviços públicos a privados, em nome do objectivo da eficiência económica, que é oposto aos interesses dos portugueses e ao desenvolvimento do país. Apesar de Portugal ser um dos países europeus onde as famílias mais contribuem para serviços públicos essenciais como a educação e a saúde agravaram-se esses encargos com o aumento brutal das propinas e com o aumento das taxas moderadoras na saúde. As reformas na segurança social e na saúde têm como directriz essencial abrir partes rentáveis destes sistemas aos privados. Portugal já constitui hoje um país com desigualdades sociais gritantes. Com esta política as desigualdades acentuar-se-ão inevitavelmente.

10. O Governo, ao desencadear a revisão da legislação de trabalho, procurou responsabilizar os trabalhadores pela baixa produtividade e pelas perdas de competitividade. Não o conseguiu, nem foi tão longe quanto pretendia, mas é um facto de que os direitos individuais dos trabalhadores foram enfraquecidos e que a contratação colectiva passará a exercer-se num enquadramento legal mais favorável ao patronato. A deterioração da situação económica conduziu a um agravamento muito rápido do desemprego e da qualidade do emprego, ao mesmo tempo que se não reduziu a precariedade de emprego, uma das mais elevadas da U.E. A política de contenção salarial levou a uma quebra do poder de compra que penalizou mais fortemente os trabalhadores de mais baixos rendimentos, em particular os que ganham o salário mínimo nacional, e os trabalhadores da Administração Pública. As propostas legislativas, os argumentos e práticas do Governo, activamente sugeridas ou apoiadas pelas organizações patronais, quer no que se refere ao quadro geral das relações do trabalho, quer em relação às políticas sociais, têm sempre como pressuposto a velha concepção conservadora do séc. XIX, de que os detentores do poder político e económico, estão sempre imbuídos de boas intenções e, por isso, só precisam de incentivos para melhor agirem, enquanto os trabalhadores são sempre potencialmente faltosos nos seus deveres, pelos que só com castigos se tornam cumpridores. É esta concepção, assente no mais profundo afrontamento de classe, que suporta o ataque ideológico e orgânico em curso, aos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.

11. Vive-se o sentimento generalizado da necessidade de profundas alterações na nossa sociedade. Manifestam-se protestos e a afirmação de vontades e de capacidades de acção passíveis de serem mobilizadas para afirmar politicas alternativas e construir alternativas políticas credíveis e portadoras de um projecto de futuro. No seu alargamento, intensificação e confluência reside a condição essencial para criar uma força mobilizadora que impulsione decisivamente uma imperativa mudança de rumo que o país precisa, face ao retrocesso económico, social e cultural e à fragilização das instituições, com que hoje nos deparamos.

12. É pois neste contexto que se realiza o X Congresso da CGTP-IN. O X Congresso será um espaço de debate, de reflexão e de definição de linhas de orientação para uma acção sindical reforçada que ao defender os direitos e as aspirações de quem trabalha contribui para a resolução da grave situação em que se encontra o país: