INTERVENÇÃO SOBRE A DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS E ESTATUTOS

Por AMÉRICO NUNES
Membro da Comissão Executiva da CGTP-IN

 

Camaradas,

Os estatutos da CGTP-Intersindical Nacional, integrando a Declaração de Princípios, são como que a nossa Constituição. Matriz dos nossos princípios e objectivos fundamentais, das nossas regras de funcionamento democrático, dos direitos e deveres dos sindicatos filiados.

Estão em conformidade com a lei e a Constituição da República Portuguesa, mas são acima de tudo, um produto da acção, do trabalho, da experiência e da reflexão dos sindicalistas portugueses.

Fundam-se numa cultura e práticas sindicais que são as nossas, com raízes na luta clandestina contra o fascismo, enriquecidos com o processo revolucionário do 25 de Abril, e amadurecidos no período de regime democrático até aos dias de hoje.

A Declaração de Princípios e os Estatutos, consagram a natureza de classe da CGTP-IN e os princípios ideológicos de organização e acção, da liberdade sindical, da unidade, da independência, da solidariedade e do sindicalismo de massas; coerentes com os nossos objectivos de justiça social, de defesa e melhoria dos direitos e interesses dos trabalhadores, e de construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores.

Fazem parte de um processo evolutivo, de um projecto solidário, sempre em construção, sempre em busca da unidade na acção em torno de objectivos e anseios comuns dos trabalhadores, cuja expressão orgânica máxima no nosso país, é a CGTP-Intersindical Nacional.

Camaradas Delegados,

Estão na vossa posse, a proposta de estatutos do Conselho Nacional, e propostas na especialidade, subscritas por diversos sindicatos, não contempladas no projecto apresentado pela Direcção da Central.

Como alterações mais significativas neste projecto, salientamos a inclusão no IV Capítulo da Declaração de Princípios, de uma síntese do capítulo do programa de acção do mandato que termina, designado, Por um Portugal Democrático, Desenvolvido, Solidário e Soberano, por nos parecer que tem mais cabimento neste documento de maior perenidade, do que num programa para quatro anos.

Propomos ainda, a alteração da composição da Mesa do Plenário, regressando ao modelo anterior de a Comissão Executiva se constituir em mesa, na condução dos trabalhos do plenário de sindicatos, por considerarmos após diversas experiências que o modelo vigente se revelou pouco operacional.

Elimina-se a Comissão Nacional de Mulheres substituindo-a por uma Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens com um sistema de funcionamento mais estruturado, semelhante ao da Interjovem.

Cria-se uma Comissão Nacional dos Trabalhadores Imigrantes, dando dignidade e forma estatutária, a um problema a que o movimento sindical ainda não conseguiu dar a atenção exigida pela sua dimensão e importância.

Introduzem-se diversos aperfeiçoamentos formais e de conformidade com a lei, dos quais destacamos as regras em caso de fusão ou dissolução.

Camaradas,

Subscritas por sindicatos e não aceites, têm nas vossas pastas, propostas de regulamentação do direito de tendência, de forma diferente do que está regulamentado nos estatutos.

A Constituição da República Portuguesa, consagra no seu artigo 55º, alíneas c) e e), a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, e o exercício do direito de tendência, nas formas que os respectivos estatutos determinam.

Têm também propostas não aceites, para publicação dos regulamentos de todos os órgãos no BTE, e a sua consagração como parte integrante dos estatutos; a introdução do método proporcional d’hondt para a eleição do Conselho Nacional e do Conselho Fiscalizador, em substituição do sistema de lista vigente na CGTP-IN e no MSU; a eleição de um Presidente do Conselho Nacional; a redução da quotização para a CGTP-IN e para as Uniões; a eliminação total da quotização para as uniões de sindicatos e o seu financiamento pelo orçamento da CGTP-IN e a introdução do sistema de orçamentos para cada iniciativa comum, a pagar pelos sindicatos a ela aderentes. E, finalmente, uma proposta para que o Conselho Nacional seja constituído apenas por dirigentes de sindicatos filiados, com a quotização em dia ou contratos-programa a ser cumpridos.

São propostas regulamentares, que certamente alguns dos seus proponentes aqui virão fundamentar.

Vou de forma sucinta, expor os argumentos dominantes que levaram o Conselho Nacional a rejeitá-las. Cabendo agora a última palavra ao Congresso.

O direito de tendência está regulamentado no artigo 14º dos estatutos, que garantem o seu exercício através do direito de participação dos associados a todos os níveis e em todos os órgãos; reconhecem a existência no seio da CGTP-IN de diversas correntes de opinião político-ideológicas, própria da natureza unitária da central, e a organização dessas mesmas correntes, sendo essa organização, como é natural, da sua própria responsabilidade e fora dos sindicatos.

A formulação do artigo 14º permite o exercício do direito de tendência, sem que os sindicalistas que militam em partidos se estruturem dentro dos sindicatos e da confederação, enquanto extensões dos respectivos partidos, elevando ao extremo, se assim fosse, a partidarização e a parlamentarização do movimento sindical, o que a esmagadora maioria dos trabalhadores não quer, por ser um evidente obstáculo às possibilidades de unidade na acção em torno de objectivos comuns aos trabalhadores enquanto classe, independentemente dos partidos ou da religião a que pertençam.

Os estatutos e os regulamentos de todos os órgãos da central estabelecem formas profundamente democráticas de expressão, de participação de todas as correntes, de filiados, e até de não filiados, como acontece com vários sindicatos presentes neste congresso, a participarem de pleno direito.

Esta ampla abertura e democraticidade à participação de todos tem sido até hoje, um dos principais elementos na construção da unidade, da solidariedade, e logo, do êxito e dimensão das nossas lutas, da nossa organização, implantação e representatividade.

Esta prática está correlacionada com os nossos princípios de organização e acção, os nossos métodos de funcionamento e de participação, que no seu todo, constituem um modelo criativo, indissociável e eficaz, fruto da valorização da luta e do trabalho colectivo, do esforço permanente para construir consensos, sem deixarmos de votar democraticamente quando necessário.

Camaradas,

Introduzir dentro das estruturas do movimento sindical unitário, em concreto na CGTP-IN, para começar, a estruturação de tendências partidárias, com o seu funcionamento e porta-vozes autónomos, por exemplo, ou o estabelecimento no topo da direcção, de diversos cargos ou órgãos, em função dos partidos a que os dirigentes que os compõem pertencem; ou mesmo a eleição dos órgãos pelo método proporcional, em vez do método por lista em vigor; seria abandonar princípios, culturas, experiências, práticas e métodos que construíram o movimento sindical e a central que temos, e que continuam a demonstrar ser válidos, passíveis de aprofundamento e melhoria, no presente e para o futuro.

Um dos argumentos dos defensores do direito de tendência organizado partidariamente dentro dos sindicatos é o de que este proporcionaria mais participação e mais democracia.

 

Mais democracia e mais participação são questões fundamentais em que estamos todos de acordo. Nos sindicatos, nos locais de trabalho e na sociedade.

Todos nós queremos mais participação e mais democracia. Mas, é caso para olharmos em volta e perguntarmos? Em que sindicatos é que os trabalhadores portugueses elegem os seus dirigentes e delegados sindicais, por voto directo e secreto? É nos que têm o direito de tendência com os partidos organizados lá dentro ou nos nossos sindicatos?

 

 

Situemo-nos, na nossa democracia interna.

Nos nossos sindicatos os trabalhadores elegem os seus dirigentes por voto directo e secreto, bastando 10% dos sócios ou 200 assinaturas, para poderem ser apresentadas listas; elegem os seus delegados sindicais de entre os trabalhadores mais votados do mesmo modo. Nos plenários sindicais participam filiados e não filiados quer sejam trabalhadores quer sejam sindicatos. No caso dos órgãos da central, como já foi dito, vários sindicatos não filiados participam, propõem, votam e vêem dirigentes seus ser eleitos para os órgãos dirigentes a todos os níveis.

Quem não é capaz de dizer em que sindicatos estão filiados os trabalhadores e os dirigentes e activistas sindicais que fazem greves, que todos os dias participam em pequenas e grandes lutas, manifestações, concentrações, e realizam todos os anos o 1º de Maio em dezenas de cidades e vilas do país.

Sim. Todos queremos mais democracia e mais participação. Não nos podemos dar por satisfeitos com o grau de participação e de sindicalização conseguido. Há que aprofundar formas testadas com êxito e descobrir formas inovadoras de participação; experimentar novos caminhos.

Mas, não nos podemos dar ao luxo de deitar pela borda fora, valores, princípios, métodos e práticas que fazem parte da nossa cultura e da nossa história, e que continuam a resultar.

Nem corrermos o risco de introduzir roturas em questões de princípio, que no mínimo, poderiam significar saltos no escuro, e em última instância, a possível subversão da natureza e características essenciais deste magnífico e pujante projecto que é hoje a CGTP-Intersindical Nacional.

Camaradas,

Incluir os regulamentos de funcionamento dos órgãos como parte integrante dos estatutos e publicá-los no BTE, seria estabelecer um colete-de-forças rígido que não permitiria a sua adequação a qualquer ocorrência durante o mandato, o que quase sempre acontece pela experiência que temos.

Por isso, esta proposta também não foi contemplada.

A não consideração das propostas de redução da quotização para a CGTP-IN e para as uniões de sindicatos fundamenta-se também em questões de fundo.

Camaradas,

Se virem o relatório, podem verificar que o somatório das receitas de quotização que os trabalhadores pagam aos sindicatos filiados, não contando com os professores que apenas se filiaram este ano, ronda os seis milhões de contos.

É uma quantia apreciável que na sua totalidade é gerida pelos sindicatos, centro nevrálgico da nossa estrutura sindical, a que os trabalhadores estão ligados directamente, permitindo a sua total autonomia, potenciar uma grande descentralização da organização e da acção e a utilização máxima dos meios materiais, virada para os locais de trabalho e para a resposta directa aos problemas dos trabalhadores.

Mas, tal como uma pessoa só, por mais forte que seja, de pouco é capaz face a um exército organizado. Com um sindicato de determinada profissão ou actividade, sozinho, acontece o mesmo, face aos problemas gerais comuns que dizem respeito a todos os trabalhadores.

As federações sectoriais, as uniões regionais de sindicatos e a central sindical, nos respectivos âmbitos, são a expressão orgânica superior da unidade e da solidariedade dos trabalhadores, tão necessárias à organização e eficácia das lutas que ultrapassam as fronteiras da empresa, do sector, do distrito ou da profissão, e no caso da central, quando se trata de combater políticas gerais negativas do patronato e dos governos, ou de propor as alternativas que são do interesse de todos os trabalhadores.

Dos seis milhões de contos que referi, a CGTP-IN, com uma quotização de 10% e uma taxa de cobrança de 7,5%, tem um orçamento modesto que não chega a 500 mil contos; 23% do qual, é ainda redistribuído para as uniões distritais.

Mexer no sistema de financiamento das estruturas intermédias e da nossa central, no sentido da redução dos meios financeiros, seria um risco enorme que poderia levar ao ruir da nossa estrutura superior, ou no mínimo, à diminuição da sua capacidade de intervenção e, a por em causa a sua própria independência, pilar essencial da natureza de classe do nosso movimento sindical.

Por isso, a grande virtualidade que constitui o facto de os sindicatos terem todo o poder sobre o dinheiro que os trabalhadores põem à sua disposição, dá-lhes também a grande responsabilidade de o gerirem bem, o que implica, entre outras coisas, garantir as verbas necessárias para a construção da unidade e da solidariedade entre todos os trabalhadores, o desenvolvimento e implantação de um movimento sindical forte e descentralizado, capaz de continuar a realizar lutas de empresa sector ou profissão, lutas locais e lutas gerais do interesse de todos os trabalhadores.

É lícito concluir, que ao tratarmos da questão da quotização e do modo e origem do financiamento do movimento sindical, para além de uma importante questão financeira instrumental, estamos a tratar de uma questão estratégica de política sindical, e de concepção do movimento sindical que queremos.

Um movimento sindical que não viva e sobreviva do dinheiro das quotas dos trabalhadores, dificilmente será de classe, independente e de massas.

Camaradas,

Os Estatutos, integrando a Declaração de Princípios, são um documento estruturante da nossa organização, da nossa acção e dos nossos objectivos estratégicos. Por isso, devem ser estudados, cumpridos e tratados com carinho e atenção, na certeza de que se assim fizermos, estaremos mais aptos a contribuir para eficácia da acção sindical e para o aumento da participação dos trabalhadores.

Viva a CGTP-Intersindical Nacional

 

 

Lisboa, 30 e 31 de Janeiro de 2004