O emprego no centro das preocupações

 

José Ernesto Cartaxo
Membro da Comissão Executiva da CGTP-IN

Caros camaradas,

Muito justamente um dos lemas do nosso X Congresso é o emprego de qualidade. Adoptamos este lema atendendo a que os problemas do emprego continuam a ser uma das questões centrais e que mais preocupam as sociedades modernas; atendendo ao preocupante aumento do desemprego e à degradação da qualidade do emprego; atendendo às consequências que o desemprego e a precariedade de emprego têm na vida dos cidadãos; e atendendo também a que não há política de desenvolvimento económico e social a sério se o emprego não for colocado no centro das preocupações.

Na verdade a situação do emprego degradou-se profundamente depois do nosso último Congresso. Esta degradação não se deveu apenas a razões de natureza conjuntural, isto é, em resultado de ter havido menos crescimento e mesmo recessão económica em 2003. Infelizmente é pior do que isso.

E é pior porque vemos hoje empresas que encerram porque não se modernizaram; vemos empresas que cresceram à custa de baixos salários e agora, argumenta-se que esses salários são demasiado "altos" face aos dos países com menor desenvolvimento; vemos empresas que procedem, ilegalmente, a autênticos despedimentos colectivos sob a capa de rescisões por mútuo acordo; vemos empresas que encerram, ou se preparam para encerrar, dando lugar a empreendimentos imobiliários; vemos empresas, com carteiras de encomendas cheias, que deslocam para o estrangeiro a sua actividade, na mira de o capital obter aí maiores lucros; vemos empresas que se fundem com outras em resultado de lógicas de concentração do capital sem atender aos custos que isso acarreta para os trabalhadores e para o país.

A nosso ver, a evolução negativa do emprego e do desemprego reflecte problemas estruturais, problemas que se acumularam ao longo de anos e anos e que agora são mais evidentes devido à grave situação económica que vivemos. Esta evolução é o resultado da insistência na aplicação de um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários, baixas qualificações e forte exploração da mão-de-obra; é o resultado de políticas que não apostaram no sector produtivo, na qualificação, na inovação, na organização das empresas; é o resultado de modelos de gestão empresarial de vistas curtas, orientadas para os lucros fáceis; é o resultado, enfim, das políticas económicas seguidas por sucessivos governos.

As consequências estão à vista: o desemprego registado atingiu, em Dezembro passado, 453 mil pessoas, um valor que representa 12% dos assalariados. Apesar disto, as consequências do desemprego continuam a ser minimizadas; dá-se pouca importância aos seus custos humanos, sociais e económicos; às consequências sobre as condições de subsistência das pessoas, sobre as condições de saúde, físicas e psicológicas, sobre o relacionamento familiar e social, sobre a exclusão social e a marginalidade que o desemprego potencia. Não se medem os seus custos em termos de destruição de qualificações. E quase sempre se ignoram as implicações nos sistemas de segurança social que passam a ter mais despesas e menos receitas.

Entretanto a actual crise de emprego apresenta aspectos novos na medida em que está cada vez mais associada ao modelo de crescimento do país. O agravamento do desemprego nos dois últimos anos apresenta dados à primeira vista paradoxais. O que é que nós vemos? Vemos, por um lado, que o desemprego cresceu menos nos trabalhadores com um nível de instrução mais baixo. Vemos, por outro, que o desemprego, cresceu intensamente entre os trabalhadores com habilitações superiores.

É, neste contexto, que queremos salientar a situação dos jovens face ao emprego. Os jovens têm hoje um nível de habilitações superior aos das gerações precedentes, apesar do elevado nível do abandono e insucesso escolar. Assim sendo, todos os factores estariam a seu favor em sociedades que se dizem (ou dizem querer ser) do conhecimento. No entanto, o que vemos é que os jovens têm uma inserção mais demorada e mais difícil no mercado de trabalho; têm uma taxa de contratação a prazo muito acima da média; têm salários mais baixos; ocupam empregos com baixa qualificação e, muitas vezes, com fraca valorização social

Ou seja, com o actual modelo de crescimento suportam-se, sem garantias de futuro, empregos que são pouco qualificados, enquanto não há empregos para quem tem maior nível de habilitações.

Será este panorama sustentável no futuro?

Haverá por parte do Governo e do patronato, vontade para romper com esta situação?

A nosso ver, não.

Primeiro porque a política económica continua orientada pela obsessão do défice orçamental enquanto as questões de fundo, das quais dependem o nível e a qualidade do emprego, não são assumidas e que têm a ver com a economia real, a qualidade do investimento produtivo, a capacidade de inovação, a gestão e organização das empresas, em suma a assunção dos factores que podem desempenhar um papel essencial na evolução da produtividade e da competitividade.

Segundo porque o Governo e a maioria PSD/PP, impôs um Código de Trabalho cujos aspectos estruturantes vão no sentido inverso, ou seja, no reforço do poder patronal na relação de trabalho, no embaratecimento da mão-de-obra, no enfraquecimento da contratação colectiva e na precarização do emprego.

Terceiro porque não há aplicação de medidas contidas em acordos que poderiam dar um contributo importante para a qualidade do emprego. Referimo-nos em particular ao acordo sobre educação, emprego e formação que entre várias medidas, prevê o direito de cada trabalhador a um mínimo anual de 20 horas de formação certificada em 2003 e a 35 horas em 2006.

Quarto porque não há um combate sério à precariedade de emprego e ao trabalho ilegal e não declarado, nem mesmo depois de um estudo, encomendado pelo Governo a uma empresa estrangeira, ter concluído que a chamada informalidade, isto é o não cumprimento das obrigações legais e contratuais, constituir a primeira causa do desvio da produtividade de Portugal face aos países mais desenvolvidos.

Como se comprova, todos estes factores vão no sentido de manter e mesmo reforçar o actual modelo de crescimento. Nenhum vai no sentido da qualidade do emprego, elemento que é hoje reconhecidamente uma questão crucial no quadro de uma verdadeira política de desenvolvimento.

Há hoje um consenso, quase generalizado, sobre a necessidade de se apostar seriamente na qualidade do emprego, incluindo a qualificação. Contudo, na prática, o patronato não tem rompido com uma lógica onde produções pouco exigentes e serviços de fraca qualidade se traduzem na procura de mão-de-obra pouco qualificada. A nível oficial, verifica-se a existência de um discurso sobre a qualificação como um dos factores decisivos para a competitividade, mas as tendências dominantes vão no sentido do alongamento e intensificação dos ritmos de trabalho, da baixa do custo directo e indirecto do trabalho, num maior recurso a uma imigração pouco qualificada e desprotegida e no debilitamento da contratação colectiva.

Existem assim poucos incentivos à qualificação: os baixos salários e os longos horários são desincentivadores da qualificação e deterioram a qualidade do trabalho; a precariedade do emprego não estimula a formação; a introdução de novas tecnologias é limitada pelas dificuldades de assimilação decorrentes da escassez da formação; com frequência, as entidades patronais temem a formação com receio de que o trabalhador seja mais exigente em termos de salário e de carreira profissional. É este comportamento e esta mentalidade que tem explicado o pouco sucesso de políticas e de medidas de qualificação e de formação e a falta de empenho na aplicação dos acordos sobre emprego e formação profissional.

O tema da qualidade do emprego também foi consagrado a nível europeu, no âmbito da estratégia europeia para o emprego o que, à partida, constituiria um avanço, mesmo tendo em conta alguns conteúdos ambíguos. A estratégia europeia de emprego traduz-se no concreto na existência de planos nacionais de emprego nos países-membros. No entanto, com o ascenso de Governos de direita em Portugal como na generalidade dos países da UE, a qualidade do emprego tem vindo a ser subalternizado a favor da flexibilização do mercado de trabalho.

Para a CGTP-IN esta lógica, suportada num modelo reconhecidamente esgotado, compromete seriamente o futuro de Portugal e dos portugueses. É necessário e urgente inverter este estado de coisas. Não haverá resolução do problema do emprego e da sua qualidade sem uma clara estratégia de efectivo desenvolvimento económico e social cujos contornos estão claramente definidos no Capítulo I do programa de acção, em debate neste nosso Congresso.

Nas sociedades modernas o desenvolvimento depende de uma força de trabalho qualificada, motivada, bem remunerada e com direitos. O pleno emprego e a qualidade da nossa força de trabalho representam um factor chave para responder aos principais problemas económicos, para melhorar o nível de vida da população e desenvolver o país de um modo sustentado.

Por tudo isto é extremamente importante e necessário o prosseguimento e a intensificação da luta em torno de objectivos concretos, nos quais se deve inserir a defesa dos postos de trabalho, o combate à precariedade e a luta por emprego de qualidade. Essa luta é condição essencial para criar uma força mobilizadora que impulsione decisivamente uma imperativa mudança de rumo que o país urgentemente precisa.

 

VIVAM OS TRABALHADORES PORTUGUESES!

VIVA A CGP-INTERSINDICAL NACIONAL!