A ACÇÃO SINDICAL PARA A PROMOÇÃO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES

 

GRACIETE CRUZ
Membro do Conselho Nacional


Caros/as camaradas,

Estimados/as convidados/as,

"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos", garante o Artº. 1º. da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No entanto, sistemas e práticas culturais, religiosas, políticas e ideológicas constroem e sustentam uma realidade outra, de privação de liberdades e direitos fundamentais, de marginalização e de discriminações baseadas na deficiência, na religião, na cor, na origem étnica ou social, na orientação sexual.

Uma realidade partilhada por milhões de mulheres e homens, num mundo em que, por força do processo de globalização capitalista em curso, se acentuam as disparidades e assimetrias entre pessoas e países e se agravam as desigualdades sociais, tornando imperiosas a resposta e a luta dentro e fora da esfera laboral.

Uma realidade que afecta de forma particular as mulheres, parte maior do conjunto que reflecte o todo universal.

A humanidade não é neutra. É composta por homens e por mulheres. E é essa dualidade sexual que, ao longo de milénios, tem justificado a atribuição, a mulheres e a homens, de "papéis sociais específicos", se quisermos, de "papéis de género".

Recorde-se, a propósito, o Artº. 5º. da Constituição de 1933, que estabelecia o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei "salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família".

Essas eram, aliás, algumas das linhas de força do fascismo, nacional e europeu, em relação às mulheres, expressando-se, no campo ideológico e político, com a apologia do "regresso ao lar", a "glorificação da maternidade" e de um certo modelo de "família", enquanto função primordial. As mulheres eram vistas e utilizadas como elementos renovadores e regeneradores das famílias, símbolos maternos da pátria, factor económico, exercendo a sua produtividade controlada na economia caseira e nos seus filhos.

Alguns desses traços dominantes podem hoje ainda, 30 anos depois de Abril, reconhecer-se no posicionamento ideológico da direita instalada no poder. Direita que se movimenta entre o discurso formal politicamente correcto (a que está obrigada, no exercício do poder, por força de uma nova realidade e do reconhecimento jurídico, nos planos nacional e comunitário, da igualdade de mulheres e de homens) e as tentações de regresso ao modelo tradicional de organização das relações sociais, económicas, políticas, privadas e culturais.

Matéria em que, diga-se, o Ministro Bagão Félix é exímio intérprete: quando exalta a maternidade mas retira o direito à indemnização em dobro, em alternativa à reintegração, à trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ilicitamente despedida; quando incentiva o trabalho a tempo parcial na óptica da conciliação da vida familiar e profissional predominantemente das mulheres; quando pretende punir as trabalhadoras que recorrem à interrupção voluntária da gravidez, retirando-lhes o direito a uma licença e, por essa via, fragilizando ainda mais a sua segurança no emprego, atentando contra o seu direito à autodeterminação, à saúde, aos seus direitos sexuais e reprodutivos; quando anuncia bonificações de pensões, só para mulheres, em função do número de filhos; quando privilegia o casamento e a família tradicional, ao recusar a equiparação de direitos nas uniões de facto.

Daqui resulta que, apesar de progressos pontuais em alguns domínios, a desigualdade entre mulheres e homens não só continua a ser uma realidade como tende mesmo a agravar-se, num contexto de forte regressão social com impactos negativos nas próprias mentalidades.

São notórias as situações de discriminação das mulheres no espaço político, de modo geral, em todas as instâncias de representação política e de poder, o que, no mínimo, questiona a concepção de democracia e a afirmação dos direitos humanos e impõe a adopção de políticas e medidas concretas e eficazes, em prol da efectivação da igualdade de género neste domínio.

A concretização do direito ao trabalho e o trabalho com direitos são, porém, centrais para se alcançar a igualdade noutros patamares da vida em sociedade. Se as mulheres controlarem os recursos económicos através do emprego, e desta forma entrarem na esfera pública, não só acautelam a sua independência económica como abrem, igualmente, novas oportunidades noutros espaços.

Mas, apesar do aumento da sua escolarização, as mulheres: continuam a predominar em actividades de baixos salários e em profissões com baixo nível de qualificação profissional; alarga-se o fosso entre as suas remunerações e as dos homens; têm maiores dificuldades de progressão e de promoção nas carreiras, de acesso a cargos de chefia e à formação profissional contínua; são discriminadas (em particular as mais jovens) pelo exercício de direitos associados à maternidade (e à paternidade); são a maioria dos trabalhadores com contrato precário, assim como dos desempregados e dos desempregados de longa duração.

Por isso, na CGTP-IN, priorizamos o local de trabalho como instância de eleição para a acção sindical a desenvolver no combate às discriminações e pela efectivação da igualdade de oportunidades.

Por isso, como realça a proposta de alteração ao Programa de Acção, reivindicamos a melhoria dos salários reais e a valorização do Salário Mínimo Nacional; por isso, reclamamos um tempo de trabalho mais reduzido e uma organização dos horários que respeite as necessidades de carácter pessoal, familiar e social dos trabalhadores; por isso, defendemos a valorização do trabalho feminino, a qualificação e a formação profissionais, o respeito pelos direitos e pela contratação colectiva.

Mas, no campo da promoção da igualdade entre mulheres e homens, há que ir mais longe. Razão por que elaborámos cláusulas específicas de referência para a contratação colectiva que, não só visam garantir e ampliar direitos legais, como combater as situações de desigualdade salarial e de ganhos, mesmo quando em presença de trabalho igual ou de valor igual. Razão por que devemos continuar a trabalhar, no âmbito de programas comunitários específicos e para além deles, no sentido da celebração, com empresas e serviços, de protocolos de acções positivas que combatam e corrijam as desigualdades e as discriminações detectadas, atinjam elas mulheres ou homens, acompanhando a sua execução e introduzindo os ajustamentos necessários.

Neste contexto, a formação surge como um instrumento fundamental para a mudança. Refiro-me à formação em igualdade de oportunidades, abrangente e integrada, reflectindo a natureza interdisciplinar e multidimensional da temática, que actue sobre as causas e não só sobre os efeitos, e dirigida a mulheres e a homens, porque a promoção da igualdade respeita ao todo sindical e não apenas a esta ou àquela sua componente.

Mudança que é necessário operar também ao nível da democracia sindical, nomeadamente quanto à representação das mulheres nos órgãos de direcção e no processo de decisão das estruturas sindicais. Se bem que influenciado por factores externos (como a ausência de uma partilha equilibrada das responsabilidades familiares, a insuficiência de infra-estruturas, a preços acessíveis, de apoio à família ou os atrasos nas mentalidades), este é um domínio em que o peso decisivo reside no querer dos homens e mulheres dirigentes sindicais, dos vários sectores, regiões e sensibilidades, que hoje têm o poder de decidir.

Porque as mulheres estão lá, nas empresas e serviços, no trabalho e na luta; porque são a maioria dos que, nos últimos anos, se sindicalizam e são eleitos delegados sindicais.

Não duvidamos de que a igualdade entre mulheres e homens está também directamente ligada à luta mais geral pela emancipação da classe trabalhadora, mas seria errado concluir que só seria possível mudar comportamentos e mentalidades quando mudassem as estruturas sociais e económicas vigentes.

Este é um caminho que o movimento sindical não pode deixar de trilhar. Porque, por si só, "a história não faz nada, não luta em nenhuma batalha".

 

 

 

Lisboa, 30 e 31 de Janeiro de 2004