O Estado e as funções sociais

Maria do Carmo Tavares
Membro do Conselho Nacional

 

Camaradas,

Estamos a realizar o nosso 10.º Congresso no ano em que se comemora 30 anos da Revolução de Abril que consagrou a democracia no nosso país.

Na Constituição da República, artigo 2.º, o Estado de Direito Democrático baseia-se num conjunto de princípios que têm como objectivo a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

Com o 25 de Abril e com a acção determinante dos trabalhadores, deram-se transformações fundamentais para alicerçar a democracia social, universalizando-se direitos em esferas essenciais.

Na Educação, o elitismo foi quebrado, pondo-se termo ao binómio escolas técnicas para os filhos dos operários e classes mais desfavorecidas e liceus para os mais ricos.

Na Saúde, com a implantação do Serviço Nacional de Saúde e com a garantia da universalidade de acesso e gratuitidade, foi arredado o estigma dos atestados de pobreza que acompanhavam grande parte da população para não pagar o tratamento da cirurgia e internamento nalgum hospital e para não pagar as despesas com a escola.

Na Segurança Social universalizou-se o direito a ter uma pensão de velhice, invalidez ou sobrevivência e de orfandade, às prestações familiares, que só parte dos trabalhadores tinham até então, assim como a protecção no desemprego.

Milhões de cidadãos, pela primeira vez, acederam a direitos sem andar a esmolar na Junta de Freguesia ou na Misericórdia, como eu estou recordada.

Há portugueses que estão esquecidos destas grandes transformações e outros, nomeadamente os jovens, não os conhecem porque não viveram o impacto destas medidas. A nossa obrigação é fazer lembrar a sociedade destes acontecimentos e não permitir o esquecimento dos valores e ideais do 25 de Abril.

Estas transformações, que mudaram radicalmente a situação social do país, que tinha baixos índices de pobreza, analfabetismo e de mortalidade, deram-se porque o Estado assumiu, desde logo, nas suas mãos, essas tarefas, modernizou as estruturas existentes e repartiu a riqueza que havia e que criou, com as nacionalizações dos principais meios de produção e financeiros, de forma a beneficiar os trabalhadores e a população mais desfavorecida.

Camaradas,

De facto, só o Estado, numa sociedade democrática e as suas instituições podem promover a coesão da sociedade, a igualdade e a justiça social, porque pode controlar uma questão fundamental que são os mecanismos de redistribuição dos rendimentos e pode gerar recursos necessários à modernização da economia e apoiar e dinamizar o desenvolvimento.

Olhando para a situação real e concreta do país, passados que são 30 anos, verificamos que estamos longe de ver concretizada uma democracia social, económica e cultural e que as desigualdades e a pobreza no nosso país têm vindo a aumentar, o Estado não tem vindo a assumir as suas responsabilidades em pleno, em resultado das políticas executadas, ao longo dos anos, por diversos governos.

É um facto, que há muitos anos, que os detentores do capital vêm na segurança social, na saúde e na educação, uma grande área de negócios, e, para atingir esses objectivos, lançaram campanhas caluniosas contra o Estado, que é o garante dessas funções sociais. Essa campanha baseia-se nestas ideias chave: que o Estado não é bom gestor; que gasta muito dinheiro; que tem desperdícios; que, no futuro, os recursos não chegam para todos; que as gerações mais novas vão ficar com pesadas heranças; que este tem de ser mais equitativo; que os cidadãos devem ter liberdade de escolha.

O desafio que se coloca a todos nós é que temos que ser muito ofensivos para desmascarar e dar combate a toda esta filosofia neoliberal.

Ao mesmo tempo que caluniam o Estado, o capital, nomeadamente o financeiro, apetrechou-se de recursos para oferecer os seus serviços. Na saúde, o BES, o BCP, os Mellos, o BPI e outros mais, criaram empresas para gerir esta área de negócios. Na segurança social, criaram, em todos os grupos financeiros, empresas gestoras de fundos de pensões e começaram a vender os mais variados produtos financeiros associados à velhice e às reformas. Na Educação, nasceram, como cogumelos, as universidades privadas, colégios, jardins-de-infância.

Atacam o Estado para ganharem clientes mas, no entanto, as suas actividades são pensadas, tendo como base um Estado financiador e os utentes dos serviços públicos.

Os governos do PS e do PSD executaram políticas claramente para satisfazer os objectivos do capital, permitiram que eles crescessem e que, paulatinamente, ocupassem, nomeadamente na saúde e na educação, partes importantes do Estado.

E não avançaram mais porque muitas e muitas lutas foram travadas pelos trabalhadores em geral e pelos profissionais destes sectores. Demos sério combate, quando vieram com a falência da segurança social, para imporem o plafonamento. Já provámos que o Hospital Amadora Sintra, gerido pelos Mellos, que era apontado como um modelo, é pior que os hospitais públicos, e já lesaram o Estado em milhões de euros. Já ficou demonstrado, que a qualidade das universidades privadas é muito inferior em relação às públicas.

Mas o capital não desiste e com o PSD/PP no governo, tem a esperança de fazer ao Estado um assalto final.

Primeiro, querem enfraquecer os recursos financeiros do Estado. A evasão e a fraude fiscal são uma das mais perigosas armas deles. O diagnóstico está feito, para a combater, há muito que se sabe onde está o mal. Quem não paga são as grandes fortunas, as empresas, a economia clandestina e determinados grupos profissionais. A solidariedade está invertida.

Somos nós, CGTP-IN, que temos de continuar a denunciar e a batalhar para que o Estado cobre os impostos, segundo os rendimentos e o património de cada um e que haja englobamento dos mesmos. Esta é uma luta que tem de ser contínua e sem tréguas para que o Estado adquira as receitas necessárias para poder cumprir, cabalmente, as suas funções e desenvolver a solidariedade.

Em segundo lugar, o Governo e o capital dão uma visão negativista da administração pública e dos trabalhadores, responsabilizando-os das deficiências e lacunas existentes na prestação das funções sociais de que são os responsáveis, e propõem uma reforma na administração pública que visa objectivamente abrir o caminho para privatizar os serviços públicos e extinguir as funções sociais do Estado.

O necessário combate a esta política não cabe só aos trabalhadores da administração pública. A defesa de uma efectiva melhoria dos serviços públicos e com qualidade, diz respeito a todos os trabalhadores, exigindo uma unidade de acção.

Camaradas,

Para defender a segurança social pública, universal e solidária em 2004, vamos certamente ter um dos mais duros combates. Há que nos prepararmos com o esclarecimento e a mobilização dos trabalhadores.

A introdução dos tectos contributivos (plafond) é a grande ambição do Ministro Bagão Félix e dos seus patrões. A transferência das contribuições dos trabalhadores e das empresas para o sector privado porá em risco a sustentabilidade da segurança social e quebrará o princípio da universalidade. O Fundo de reserva da segurança social tem de ser defendido, e teremos de lutar contra a redução das prestações da Segurança Social.

Na saúde, temos de reconhecer que estamos atrasados na resposta face à ofensiva. Neste sector é onde o governo e o capital estão mais avançados, tanto nos instrumentos legislativos, como em termos organizativos com prestadores de cuidados de saúde no sector privado. O nosso desafio é travar a privatização dos Hospitais e dos Centros de Saúde.

Toda a nossa estrutura tem de se empenhar, para demonstrar aos trabalhadores e restante população que esta política de saúde é para nos ir ao bolso e com pior qualidade. Vamos ter que criar um grande movimento de opinião e dia 7 de Abril vamos para o Ministério da Saúde protestar contra esta política e exigir um SNS ao serviço dos utentes.

Na educação, não queremos escolas para os mais ricos e escolas para os mais pobres, como no passado. Não aceitamos que empurrem os jovens, como está na proposta de Lei de Bases, para o mercado de trabalho sem qualificação. Temos que lutar para que o ensino básico não seja reduzido para 6 anos. Tem de se pôr termo ao insucesso e ao abandono escolar, que é o caminho para o emprego sem qualidade e precário. Vamos dar continuidade aos objectivos que presidiram à Marcha pela Educação.

O sector privado jamais é solução. Temos que derrotar estas políticas para assegurar as funções sociais, é este o nosso compromisso. Só um Estado forte e interventivo e que cumpra os objectivos com os cidadãos é que permitirá o desenvolvimento da solidariedade e edificará uma democracia social.

VIVA O X CONGRESSO DA CGTP-IN