Assim, esta é uma Proposta que perpetua a precariedade, afronta os princípios constitucionais da segurança no emprego e da igualdade, mantém o ataque à contratação colectiva com a norma da caducidade e a não reintrodução do princípio do tratamento mais favorável, reduz a retribuição com a criação de um banco de horas grupal que permite 150 horas de trabalho gratuito e, em suma, promove a continuação do modelo de baixos salários e trabalho precário.

Efectivamente, apesar do Governo reconhecer o elevado nível de precariedade das nossas relações laborais, bem como o facto de esta elevada precariedade ser responsável por graves problemas sociais, incluindo os baixos salários e grandes desigualdades salariais, a pobreza laboral, o maior risco de desemprego e o enfraquecimento da protecção social, a instabilidade e insegurança na vida pessoal e familiar e a baixa natalidade, acaba por não retirar desta análise as devidas consequências.

Como resultado, não apresenta propostas susceptíveis de combater eficazmente este flagelo social, ficando-se por um conjunto de medidas muito tímidas e recuadas, temperadas com outras claramente destinadas a servir de escape para que o patronato possa perpetuar e prosseguir as suas políticas de precarização das relações laborais e de desvalorização e secundarização dos direitos e interesses dos trabalhadores em benefício dos seus próprios interesses. É claramente o caso de propostas como o alargamento do período experimental para os trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração; da liberalização dos contratos de muito curta duração; da ressalva da confidencialidade para permitir às empresas utilizadoras não cumprir a nova obrigação de informar os trabalhadores temporários sobre os fundamentos que justificam do contrato de utilização do trabalho temporário, entre outros.

No entender da CGTP-IN, um verdadeiro combate à precariedade das relações laborais implica vontade e determinação políticas firmes no sentido de impor o princípio constitucional da segurança no emprego, de modo que a um posto de trabalho permanente passe a corresponder em qualquer caso um contrato de trabalho permanente. Esta é uma situação que, pela sua própria natureza, não se compadece com meias medidas e contemporizações, que se limitam a minorar o fenómeno, mas não a combater as causas que estão na origem da sua generalização.

Acresce que a precariedade das relações laborais tem múltiplas dimensões e, por isso, não basta proceder a alterações mínimas no regime da contratação a termo e do contrato de trabalho temporário, mas há que abordar o problema na sua globalidade e em todas as suas formas, sob pena de a eventual melhoria de um ou outro regime ter como consequência a intensificação de outras formas de precariedade. Ou seja, o combate à precariedade das relações laborais com o objectivo de a erradicar implica uma estratégia global, capaz de atacar as causas na sua raiz e que abranja toda e qualquer modalidade de prestação de trabalho de carácter permanente com recurso a vínculos precários.

A CGTP-IN considera particularmente grave a proposta do Governo de aumentar a duração do período experimental nos contratos por tempo indeterminado celebrados com trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, em troca da revogação da norma que permitia contratar a termo estes mesmos trabalhadores. No fundo, o que se pretende com este alargamento do período experimental para 180 dias, apenas para estas categorias específicas de trabalhadores e independentemente das funções para que sejam contratados, é diluir as fronteiras entre a duração do período experimental e a duração mínima dos contratos a termo, a fim de permitir às empresas continuar a contratá-los de forma precária, mas agora em situação de ainda maior vantagem, já que não se exige qualquer fundamentação para a contratação nem para o despedimento, nem o pagamento de qualquer compensação no momento de dispensar o trabalhador.

Nesta medida, o proposto alargamento da duração do período experimental para os trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração resulta numa maior precariedade da relação laboral e logo numa violação grosseira do princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República. Por outro lado, este alargamento do período experimental em função da situação pessoal de determinadas categorias de trabalhadores mostra-se também violador do princípio da igualdade, uma vez que o seu tratamento diferenciado relativamente a todos os outros trabalhadores não encontra justificação constitucionalmente atendível.

Numa outra dimensão, a criação da contribuição adicional para a Segurança Social por rotatividade excessiva, que tem sido apresentada como a mais substancial e relevante das medidas de combate à precariedade laboral, traz consigo uma contradição insanável, uma vez que vem permitir a legitimação de uma certa medida de contratação a termo, designadamente a que não ultrapassa a média do respectivo sector, médias que aliás são extremamente elevadas, e tolerar toda a restante mediante o pagamento da dita contribuição, alheando-se por completo da admissibilidade dos contratos a termo face à lei em vigor e mesmo aos princípios constitucionais. Aliás, é notório que a norma que prevê esta nova contribuição adicional isenta do respectivo pagamento situações de contratação a termo não tipificadas na lei, ou seja, que estão completamente à margem dos fundamentos enumerados no artigo 140º do Código do Trabalho.

Em suma, esta emblemática medida de combate à precariedade significa, não a redução da precariedade, mas sim a legitimação, por via do pagamento de uma taxa, da celebração indiscriminada de contratos a termo, quer estejam ou não verificados os fundamentos que a lei exige para a sua celebração

Mas também noutras vertentes, a Proposta segue a mesma lógica de “tirar com uma mão o que deu com a outra” – é o caso da alegada intenção de reduzir a individualização das relações laborais através da eliminação do banco de horas individual. Se é verdade que se cumpre a promessa de revogar a norma que prevê a criação do banco de horas individual, o facto é que, em sua substituição, é criada uma nova modalidade de banco de horas grupal, substancialmente diferente do actualmente previsto, e que será proposto pelo empregador e aprovado em referendo por um mínimo de 65% dos trabalhadores.

Porém, todo o processo de criação deste banco de horas, incluindo a realização da consulta aos trabalhadores, está inteiramente na mão do empregador, sem qualquer outro controlo, nomeadamente pelos representantes dos trabalhadores, aos quais é simplesmente comunicado o projecto de criação do banco de horas, sem que tenham qualquer intervenção no processo. Neste quadro, é clara a intenção de, perante a eliminação do actual banco de horas individual, continuar a facultar aos empregadores um mecanismo ágil e expedito de impor aos trabalhadores tempos de trabalho alargados, sem qualquer compensação remuneratória, e em violação do princípio da conciliação da vida familiar e pessoal com a vida profissional.

Por outro lado, em matéria de contratação colectiva, o aspecto fundamental da Proposta é o facto de não serem introduzidas quaisquer alterações significativas nas normas que enfraqueceram elementos estruturantes do direito de contratação colectiva, nomeadamente o regime da caducidade e sobrevigência das convenções colectivas e a subversão do princípio do tratamento mais favorável.

Com efeito, no que respeita à contratação colectiva, a Proposta assenta na manutenção do regime vigente, que originou o actual desequilíbrio na relação de forças entre trabalhadores e patrões, propondo apenas um conjunto de “remédios” destituídos de qualquer efeito útil. Estes “remédios” incluem um novo mecanismo de arbitragem, patrocinado por um tribunal arbitral a funcionar no âmbito do Conselho Económico e Social, que não resolverá absolutamente nada visto que, no fim do processo, estará sempre presente a anunciada caducidade da convenção; e também uma obrigação de fundamentação da denúncia em determinados motivos que a lei expressamente enuncia, facilitando assim o cumprimento desta exigência ao denunciante, ou seja, ao patronato.

Acresce que o proposto alargamento do núcleo de matérias cujos efeitos nos contratos de trabalho individuais se mantêm após a caducidade, não resolve qualquer problema e só vem demonstrar, mais uma vez, que a caducidade tem efeitos declaradamente negativos, impondo a necessidade de a lei vir de algum modo garantir os direitos dos trabalhadores, efectivamente lesados pela caducidade da convenção.

Neste quadro, a CGTP-IN considera que as alterações propostas não significam de facto uma ruptura com o actual modelo previsto pelo Código do Trabalho (que foi instituído em 2003 e agravado nas sucessivas revisões operadas nomeadamente em 2009 e 2012), que operou uma alteração estrutural das leis do trabalho com reflexos profundos na própria concepção deste ramo do Direito como direito de compensação e protecção do trabalhador, alterando equilíbrios alcançados ao longo de muitos anos e enfraquecendo os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores duramente conquistados em esforçadas lutas. Pelo contrário, esta Proposta representa uma continuação do mesmo modelo, perpetuando a mesma orientação para a individualização das relações de trabalho, o reforço dos poderes das entidades patronais e o agravamento do desequilíbrio de forças entre as partes na relação laboral, a redução dos custos do trabalho e o enfraquecimento dos direitos colectivos, em especial do direito de contratação colectiva.

Apesar de estas propostas serem justificadas na necessidade de combater a precariedade laboral e promover a contratação colectiva, o facto é que não se mostram aptas a concretizar os objectivos enunciados, numa perspectiva de progresso social e de valorização do trabalho e dos trabalhadores.

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