20071018

 

Intervenção de
Manuel Carvalho da Silva

Secretário-Geral da CGTP-IN

 

O lema sob o qual nos mobilizamos POR UMA EUROPA SOCIAL – EMPREGO COM DIREITOS, consubstancia um forte sentido de fraternidade, com que os trabalhadores portugueses, agindo em defesa dos seus interesses específicos, manifestam a sua solidariedade aos trabalhadores europeus na luta comum por melhores condições de trabalho e por uma vida digna, reclamando uma construção europeia que assegure a justiça social, o progresso e a paz, o desenvolvimento efectivo das sociedades. Associamo-nos assim, também, aos objectivos gerais de acção definidos pelo Comité Executivo da Confederação Europeia de Sindicatos que reuniu em Lisboa ontem e hoje.

 

 

CAMARADAS E AMIGOS,

 

Aos trabalhadores portugueses têm sido pedidos sacrifícios e mais sacrifícios com a promessa de crescimento económico e de desenvolvimento do país.

 

Daí tem resultado perda de salários reais para grande parte dos portugueses, o acentuar de desigualdades, o aumento da pobreza, roturas de coesão social, territorial e na igualdade de oportunidades, o aumento do desemprego e das precariedades no trabalho.

 

O Orçamento de Estado para 2008 é uma receita de mais do mesmo, acentuando todos estes problemas.

 

O desenvolvimento do país continua adiado. Isto é dramático quando vemos que as políticas imediatas e as perspectivas estratégicas das políticas enquadradas pelo Governo de José Sócrates projecta este adiamento por muitos anos.

 

 

Os grandes capitalistas e os patrões sem escrúpulos não precisam de assumir as suas responsabilidades porque é o Governo a dizer-lhes que podem continuar a enriquecer, impondo salários baixos, eliminando direitos laborais e aproveitando a especulação financeira.

 

E os partidos de direita, como se viu no Congresso do PSD, têm o terreno aberto para reclamarem o neoliberalismo puro e duro.

 

Para resolver o défice das contas públicas e continuar a alimentar as negociatas do patronato, o Governo corta nas despesas públicas, diminui as funções e o papel do Estado e subverte o papel da Administração Pública e das empresas públicas, colocando-as ao serviço do enriquecimento dos grandes empresários e especuladores financeiros. O Governo com estas políticas, reduz a capacidade de investimento público, ataca os direitos dos trabalhadores da Administração Pública e impõe a contenção salarial, provocando graves mutilações na prestação dos direitos sociais que são indispensáveis para o bem-estar das populações.

 

O Governo propõe-se prosseguir e levar até ao limite esta agenda social desastrosa com a revisão do Código do Trabalho (CT), feita ao arrepio dos compromissos por si assumidos e, também, pelo Partido Socialista.

 

O Relatório da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais deixa claro quais os objectivos que pretendem atingir:

 

·        Manutenção do modelo de produção baseado em mão-de-obra barata, pouco qualificada e precária (rapam tudo o que podem).

·        Provocar a caducidade das convenções colectivas existentes, anular a necessidade da Contratação Colectiva no futuro, pela sua ineficácia (princípio do tratamento mais favorável …).

·        Facilitar os despedimentos.

·        Liberalizar a fixação da jornada diária de trabalho (tornando unilateral a determinação), o que provocaria impactos desastrosos na conciliação entre a vida familiar e de trabalho.

·        Atacar o sindicalismo (só ficaria espaço para um sindicalismo “muleta” que não poderia defender com eficácia os interesses dos trabalhadores.

 

Comprova-se, assim, que o trabalho da Comissão visa abrir a porta a uma revisão ainda mais gravosa do Código do Trabalho, ou seja, a Comissão está a preparar um quadro de partida para a revisão do Código em que as posições dos trabalhadores já estejam muito enfraquecidos, facilitando os objectivos do patronato e do Governo.

 

Trata-se do primeiro passo para a introdução em Portugal apenas da vertente flexibilidade (mais precariedade e menos direitos) que integra o conceito da flexigurança como já denunciaram alguns dos poucos membros da Comissão que são sérios especialistas do trabalho que, entretanto, se demitiram. Quanto à vertente do conceito segurança que se deve traduzir numa justa organização e retribuição do trabalho e na protecção do emprego, factores que constituem a base do Estado Social e da coesão das sociedades europeias mais desenvolvidas, o que temos assistido é a cortes sucessivos que reduzem os direitos e a protecção dos trabalhadores, nomeadamente na segurança social, na saúde, no ensino e na qualificação, no acesso à justiça.

 

A flexigurança constitui, acima de tudo, nos objectivos desta Comissão um slogan para impor liberalização/desprotecção como ditadura por alguns longos anos.

 

A discussão de um conceito que se procura tratar de forma séria, o equilíbrio entre muitas flexibilidades com que hoje deparamos e as necessárias medidas de segurança, implicava uma discussão política total: as políticas económicas, as sociais, as culturais e, no contexto actual, o debate profundo das políticas financeiras que estão a estrangular o social e a valorização do trabalho. Como vimos, não é isto que o Governo português se propõe fazer.

 

Por isso rechaçamos o conceito, tendo presente os objectivos com que a Comissão o apresenta e vamos – tal como o essencial do movimento sindical europeu – ao debate das políticas concretas, exigindo respostas que reponham os objectivos do vínculo de trabalho estável, a efectividade do direito à negociação colectiva e às condições para a livre sindicalização.

 

E reafirmamos que o conceito de Relações Laborais, na União Europeia, como em Portugal, tem que incorporar não apenas a dimensão económica, mas também a social, a cultural e a política.  

 

No que respeita às políticas activas de emprego elas são claramente insuficientes e não passam de meros paliativos quando confrontadas com a ausência continuada de um sustentado crescimento económico, sem o qual não há mais emprego.

 

Isto acentua, ainda mais, as dificuldades com que se debatem os trabalhadores portugueses: um forte aumento do desemprego, incluindo dos jovens licenciados e com qualificações; o crescimento da precariedade do emprego que subiu 46% em relação a 1998, atingindo já mais de 50% entre os jovens menores de 25 anos; a discriminação das mulheres trabalhadoras; a emigração de mais de 100.000 portugueses por ano.

 

As políticas de formação profissional que precisam de ser concretizadas, esbarram com um aparelho produtivo e actividades não especulativas a serem desactivadas.

 

 

CAMARADAS E AMIGOS,

 

A prometida convergência de Portugal com a União Europeia não passa de uma miragem cada vez mais distante, pois o que se tem observado é a sua constante divergência, a que não é alheia a subordinação incondicional ao cumprimento dos critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

 

As políticas da U.E. não têm favorecido uma evolução positiva da situação do país. O balanço dos 10 anos da Estratégia Europeia para o Emprego, integrada na Estratégia de Lisboa, mostra que a sua aplicação no terreno significou sobretudo a liberalização de importantes sectores de actividade sem que se tenha registado a efectivação dos compromissos sociais. O que se observou no nosso país foi a manutenção de uma elevada taxa de desemprego, o aumento da precariedade e um forte ataque aos direitos dos trabalhadores, aos serviços públicos e à protecção social.

 

Temos consciência de que vivemos numa fase crucial na determinação do rumo a seguir pela U.E.: no seu interior; na definição da sua relação com terceiros (Rússia; Médio Oriente; E.U.A.; América Latina); na intervenção no contexto geral da globalização.

 

Mas sejamos claros: não haverá espaço para a Europa Social com as políticas macro-económicas que vêm sendo seguidas nem com as opções políticas dominantes que vem enquadrando o caminho prosseguido pela U.E.

 

A revisão do Tratado evidenciou divergências entre vários países sobre o modo como se está a desenvolver o processo de integração europeia e isso não se resolve com a sua conclusão, pois os problemas com que a U.E. se debate não ficarão resolvidos.

 

A CGTP-IN não concorda com o facto do Tratado acolher a supremacia dos valores do mercado sobre todos o outros valores.

 

No plano social, a Carta dos Direitos Sociais Fundamentais sofre uma desvalorização política que não aceitamos. Diz o 1.º Ministro que está “convencido” do valor jurídico da Carta. Estas coisas não se podem estabelecer na base de intenções, mas sim de compromissos claros.

 

Sobre o social, Sócrates surge com uma posição política pobre e caricata: valoriza o Tratado pelo pouco tempo em que é obtido, em vez de o avaliar pelos conteúdos concretos. Corremos o risco de o êxito do processo do Tratado significar para os trabalhadores menos direitos e menos protecção social.

 

O diálogo social está desvalorizado e essa desvalorização é acompanhada de um ataque violento à Contratação Colectiva e ao Direito do Trabalho.

 

Entre os cidadãos há evidentes descontentamentos face a uma construção europeia que se mostra divorciada dos seus interesses essenciais e é a própria Comissão Europeia que para isso contribui quando impulsiona normas como a da Directiva dos Serviços Públicos, da Organização do Tempo de Trabalho ou a do Livro Verde/flexigurança. É por tudo isto que, depois de se conhecer o conteúdo do Tratado, há que garantir a realização de um Referendo.

 

A União Europeia ou é um projecto de efectiva cooperação e participação, igual, de todos os seus povos, um projecto de paz e de democracia no seu interior e na sua acção externa, e um pólo alternativo no actual processo de globalização, salvaguardando e aprofundando a dimensão social, ou não tem sentido, porque não é futuro para os povos europeus. Uma União Europeia que seja mera expressão para a Europa do neoliberalismo puro e duro que comanda o processo de globalização capitalista marcadamente belicista que predomina no mundo, condena o futuro dos países europeus.

 

Uma Europa social e solidária necessita de Estados sociais fortes que garantam uma efectiva protecção social, serviços públicos de qualidade, mercados de trabalho regulados através de normas de trabalho com sentido de progresso, de negociação colectiva e do diálogo social, assente numa base séria e no respeito pelo papel e autonomia da intervenção dos sindicatos.

 

O modelo social europeu é uma aquisição dos trabalhadores europeus com realidades concretas em cada país, suportadas sempre numa perspectiva de harmonização no progresso. Esse modelo não pode nem deve conhecer quaisquer retrocessos nem limitações que lhe retirem a sua essência, pois ele constitui um dos pilares fundamentais do desenvolvimento das sociedades europeias. 

 

Por isso aqui reclamamos uma Europa Social e Emprego com Direitos e, como trabalhadores portugueses, reafirmamos que, no nosso país, para alcançar esse objectivo, é necessário:

 

-        Promover a negociação colectiva e acabar com a caducidade dos contratos;

-        Melhorar o poder de compra dos salários e elevar o salário mínimo para 426,5 euros. Não haverá crescimento económico e desenvolvimento sem melhoria dos salários e dos rendimentos das famílias;

-        Travar o desemprego;

-        Rever as normas gravosas do Código do Trabalho, designadamente as referentes à contratação colectiva, ao direito à greve e ao combate à precariedade;

-        Pôr termo ao processo de privatizações.

-        Travar a ofensiva contra o vínculo público, as carreiras profissionais e os direitos laborais dos trabalhadores da Administração Pública;

-        Concretizar o efectivo direito à formação profissional contínua;

-        Investir na educação e no combate ao abandono e insucesso escolares e tratar os profissionais (professores) com respeito e valorizando-os;

-        Garantir a igualdade no trabalho e combater as discriminações;

-        Efectivar os direitos dos trabalhadores, melhorar a protecção social e a segurança social;

-        Centrar a política de saúde no cidadão;

-        Promover a justiça e equidade fiscal.

 

Exigimos que se ponha definitivamente termo aos ataques aos sindicatos e ao exercício da actividade sindical, porque sem sindicatos no uso efectivo de todos os seus direitos e sem capacidade reivindicativa, a democracia seria substancialmente mutilada e os trabalhadores seriam violentamente explorados.

 

Em democracia, os sindicatos quer na sua condição de movimento social, quer como organizações com direitos de participação institucionais, têm tanta legitimidade como qualquer órgão de poder.

 

Os trabalhadores presentes na grande manifestação promovida pela CGTP-IN sob o lema POR UMA EUROPA SOCIAL – EMPREGO COM DIREITOS proclamam:

-        a sua firme determinação de prosseguir e aumentar a acção sindical e a luta reivindicativa nos locais de trabalho, a nível dos sectores e das regiões, em torno de propostas fundamentadas que reflictam os seus reais anseios.

 

 

Tendo presente os desafios que estão colocados à generalidade dos trabalhadores, é imperioso:

-        esclarecer, mobilizar e unir os trabalhadores em torno das suas reivindicações;

-        reforçar os laços de solidariedade para com os jovens trabalhadores e entre todas as gerações de trabalhadores, independentemente do seu estatuto profissional ou do seu vínculo laboral;

-        construir convergências e conjugação das lutas, de forma a que estas ganhem mais força e eficácia na prossecução dos seus objectivos reivindicativos.

 

 

Lisboa, 18 de Outubro de 2007