ernestocartaxo2(Comunicação de José Ernesto Cartaxo no Seminário, promovido pela Comissão Nacional de Justiça e Paz, sobre “ O desemprego - um desafio à Coesão Social e à Cidadania”.)

1 – O desemprego e sua relação com a economia;
2 – O pleno emprego
3 – A precariedade do emprego e o futuro das relações de Trabalho

 

 

 

A análise do desemprego na perspectiva dos sindicatos

 

Em nome da CGTP-IN e em meu nome pessoal, queremos agradecer o convite e saudar, na pessoa da sua Presidente, Dra. Manuela Silva, a CNJP por esta iniciativa e pela escolha do tema, cuja actualidade e importância não deixarão de ser reconhecidas por todos

Iremos abordar 3 questões: 1ª - O desemprego e sua relação com a economia; 2ª - O pleno emprego; 3ª e última – A precariedade do emprego e o futuro das relações de Trabalho.

1. O desemprego: sinal saudável da economia? 

A primeira questão que queremos abordar é a de saber, como alguém têm vindo a defender publicamente, se o desemprego é um sinal saudável para a economia. Ou seja, pode a economia e a sociedade portuguesa estar bem se aumentar o desemprego? Estará hoje melhor a economia portuguesa pelo facto de a taxa de desemprego ter passado de 4% em 2001 para 7,6% no ano passado, ou irá melhorar com as projecções da EU de 8,3% para 2007?

Se todos estivermos desempregados, isso significa que já não há problemas económicos? Vale a pena pôr esta questão, não porque os defensores desta ideia tenham ido tão longe, mas porque assim se ilustra um pensamento que, ao dissociar o económico do social, pode chegar a absurdos deste tipo. Não pretendo discutir ciência económica, outros melhor qualificados o farão, mas como sindicalista, não posso deixar de salientar 2 coisas:

- a primeira, é que a realidade mostra que  aumento de desemprego e perdas de competitividade não são incompatíveis, como o prova a evolução recente da nossa economia;

- a segunda, é  que não vemos para que serve a economia se ela não estiver ao serviço dos seres humanos.       

A situação actual é preocupante: não só o emprego estagna (entre 2000 e 2005, é praticamente nula a criação de empregos) como o desemprego cresce e aumenta a proporção do desemprego de longa duração, que agora representa mais de metade do total. No mesmo período, ao mesmo tempo que a taxa de desemprego disparou, o desemprego de longa duração passou de 43,8 % para 50,3 %.

Ora o desemprego de longa duração constitui um factor de exclusão social e está associado a uma erosão rápida de qualificações, algumas das quais tanta falta fazem para impulsionar o crescimento.

Como responder a este problema? Na nossa opinião, tem de haver uma conjugação de políticas económicas com políticas activas de emprego e com políticas de segurança social. Nós entendemos que as políticas activas de emprego não constituem, por si só, a solução, mas dizer isto não significa que minimizemos o seu papel. Entendemos mesmo que deve existir um maior esforço e uma maior despesa social com estas políticas, particularmente na vertente dos desempregados. 
 
Quanto ao papel da segurança social, entendemos que este não deve ser desvalorizado, o que em regra se faz quando se rotula de medida “passiva” o apoio material aos desempregados.

O combate ao desemprego é uma questão fundamental, porque o desemprego é um factor de exclusão, tem pesados custos humanos, sociais e económicos: agrava as condições de subsistência das pessoas, provoca problemas psicológicos e de saúde graves, deteriora o relacionamento familiar e social, favorece a marginalidade, destrói qualificações, etc.…etc. Ele agrava também a situação dos sistemas de Segurança Social, que passam a ter mais despesas e menos receitas.

A nosso ver, não é possível combater o desemprego se não se apostar numa efectiva estratégia de desenvolvimento económico do país que concilie o desenvolvimento (nas suas várias vertentes) com o crescimento económico e com o pleno emprego.

2. O pleno emprego, uma utopia nos tempos de hoje?

A segunda questão é a de saber, como há quem defenda, se o pleno emprego é uma utopia. Na nossa opinião o papel das políticas económicas é o factor mais determinante na resolução do problema do desemprego. Esta simples afirmação – resolução do problema do desemprego – é hoje contestada, em nome da ideia de que o conceito de pleno emprego teve o seu tempo, não sendo apropriada numa época caracterizada pela globalização económica e pela revolução científica e técnica.

Será o pleno emprego uma utopia nos tempos de hoje? A encíclica centesimus annus, no seu nº 43, considera o pleno emprego como um objectivo obrigatório. Talvez seja também de lembrar que quer a convenção 122 da OIT, quer a tão citada Estratégia de Lisboa, ao defendê-lo, demonstram que o pleno emprego não perdeu actualidade. A própria CRP, ao consagrar o direito ao trabalho e à segurança no emprego, tem como pressuposto o pleno emprego.

Pela nossa parte, não nos resignamos a aceitar a ideia do desemprego como uma inevitabilidade. A aplicação de novas tecnologias ao elevar a produtividade pode destruir empregos, ainda que esta perda possa ser esbatida pela redução do tempo de trabalho. Mas não se prova daí que o trabalho desapareça, ou que o desemprego tenha inevitavelmente de aumentar. As máquinas, ou os programas informáticos, precisam de homens e mulheres que os produzam. Mais importante ainda, é o facto de os avanços tecnológicos, científicos, ou sociais, ao produzirem mais riqueza geram também novas necessidades que, por sua vez, criam mais empregos.  

A nosso ver, parece-nos mais importante discutir as condições para um desenvolvimento económico, ecologicamente e socialmente sustentável. Portugal vai já no quinto ano consecutivo de muito baixo crescimento e nada indica, antes pelo contrário, que em breve haja inversão desta tendência. O país sofreu choques económicos sucessivos e encontra-se hoje numa situação económica difícil.

Como sairmos desta situação? Há algum consenso de que a resposta tem de passar por um elevado esforço de qualificação da nossa mão-de-obra. Falar em qualificar a força de trabalho não significa minimizar a importância da educação inicial, ou o da saída precoce da escola (e do seu reverso que é a entrada sem qualificação no mercado de trabalho). Pelo contrário, é crucial assegurar que os jovens não entrem nesse mercado sem qualificação

Pensamos, no entanto, que não se pode ficar à espera da renovação de uma mão-de-obra pouco qualificada através da reforma (muitas vezes antecipada), não só porque os jovens também estão a entrar no mercado de trabalho sem qualificação mas também, e sobretudo, pelo facto de existir uma elevada dimensão do emprego com baixa qualificação.

A questão é, pois, como tornar a formação profissional uma realidade em todas as empresas, grandes ou pequenas; como assegurar que seja cumprido o direito (que é também um dever) de cada trabalhador às, pelo menos, 35 horas anuais de formação fixadas no Código de Trabalho, e que resultaram de um acordo social tripartido. Ainda este ano subscrevemos um acordo bilateral com o patronato, no âmbito da concertação social, sobre a formação contínua e de nossa parte estamos a envidar esforços para que em todas as convenções colectivas de trabalho esta matéria seja discutida e acordada.
 Pensamos ainda que os Centros de Formação Profissional, que existem em vários sectores, deveriam ter um maior papel, quer na formação contínua em geral, quer na formação de reconversão.     

Para nós o aumento da qualificação é fundamental não só para o trabalhador, porque representa um elemento importante para a sua realização pessoal e profissional e para a segurança no emprego, mas também como contributo para o desenvolvimento económico e social do país.

A melhoria da qualidade do trabalho é um factor essencial. Porém, os mercados de trabalho são hoje mais instáveis e há quem defenda que a era da segurança no emprego acabou.

Em relação a esta matéria, o discurso dominante é cheio de contradições, pois, por um lado, reconhece que a qualificação e motivação dos trabalhadores são elementos fundamentais da produtividade e da competitividade e por outro enfatiza a necessidade de reformas do mercado de trabalho, por forma a torná-lo ainda mais flexível e precário.

3.A precariedade do emprego: uma inevitabilidade?

Daí que a terceira e última questão seja a de saber se a precariedade do emprego constitui uma inevitabilidade.

O sistema português de emprego e de relações de trabalho apresenta uma situação complexa em que destacamos quatro traços dominantes:

  1. O primeiro é o elevado nível de precariedade. Trata-se de uma realidade mal conhecida, embora exista alguma informação estatística e tenham sido feitos alguns estudos. Os assalariados com contratos não permanentes são perto de 750 mil, ou seja 19,5% do total. Estão aqui incluídas realidades como os contratos a prazo (a figura dominante), a prestação de serviços, trabalho sazonal (sem ser através de contratos a prazo) e trabalho pontual ou ocasional. Em termos comparativos, Portugal apresenta uma taxa de precariedade superior à média europeia (13,7% em 2004) e a terceira mais elevada nestes países, a seguir à Espanha e à Polónia;
  1. O segundo respeita ao trabalho não declarado e ao trabalho ilegal, os quais têm uma elevada expressão. Estão aqui abrangidas quer actividades lícitas, mas que não estão conformes com as normas legais (por exemplo, fraude e evasão fiscal, inexistência de alvará por parte da empresa para o exercício da actividade, etc.), quer actividades ilícitas (droga, prostituição, tráfico de armas e de pessoas, roubo, contrafacção, etc.). Diversos estudos apontam para um elevado peso da economia subterrânea no nosso país, situando-a entre 20 a 25% do PIB. Por exemplo, ainda recentemente um estudo publicado pelo Banco de Portugal avalia-a em 22,1%, o que coloca Portugal na situação de uma economia desenvolvida com uma dimensão da economia informal comparável à dos países em desenvolvimento. Ou seja, temos uma posição terceiro-mundista;
  1. O terceiro tem a ver com o elevado grau de incumprimento das normas, quer legislativas quer contratuais. O peso do emprego precário e clandestino é disso expressão. Mas não só. Todos os que conhecem a realidade do mundo do trabalho coincidem na apreciação de que, em geral, não há uma cultura de cumprimento da legalidade democrática na vida portuguesa. Pelo contrário, muitas vezes o que se valoriza é quem não cumpre: quem foge aos impostos e às contribuições para a segurança social (mas é expedito a procurar subsídios ou a utilizar equipamentos sociais), etc.
  1. Por último, há um forte bloqueamento no sistema de negociação colectiva, ainda que mais vincadamente na indústria que noutros sectores. Mas, em geral, podemos dizer que é baixa a cultura de negociação em Portugal.  

Neste quadro, o debate a que temos assistido sobre a legislação de trabalho e sobre a flexibilidade é, a nosso ver, simplista e muitas vezes enganador, porque não tem em conta estas realidades. Dizer-se que é assim porque o trabalhador é demasiado protegido não é verdadeiro, porque o mesmo fenómeno de não cumprimento de normas se verifica quer quando a legislação é restritiva quer quando é permissiva. Por exemplo, as disposições sobre os despedimentos colectivos não são cumpridas, apesar da legislação não ser mais restritiva que na generalidade dos países europeus.

Contrariar estas tendências não é fácil. Por exemplo, há uma alta tolerância social para a economia subterrânea, para quem defrauda o Estado. Este combate não é fácil mas é necessário. Não só porque há direitos elementares que são negados aos trabalhadores, mas, também, porque as principais vítimas desta situação são os mais fracos. A precariedade e a informalidade traduzem perdas de solidariedades sociais; enfraquecem o Estado Social; têm consequências negativas na produtividade; distorcem as regras da concorrência.

Por outro lado, o país, no contexto difícil em que está, não precisa de menos mas antes de mais negociação colectiva e diálogo social. 

Em conclusão, diria que o desemprego não é um sinal de uma economia sã; que o pleno emprego se mantém como um objectivo a atingir e que a precariedade laboral e social não é futuro.

Lisboa, 13 de Maio de 2006