ttipO comércio internacional desde sempre foi desenvolvido com as limitações que lhe eram impostas pelas barreiras determinadas por cada Estado nacional, para melhor defender os seus interesses. Contudo, ao longo de décadas, as barreiras alfandegárias foram sempre questionadas pelo grande capital, porque as limitações retiravam às multinacionais e ao imperialismo a possibilidade de acesso e açambarcamento de bens e riquezas essenciais ao desenvolvimento dos povos e dos países. As grandes potências sempre tiverem necessidade de estabelecer acordos sobre a liberalização do comércio, sendo a mais conhecida a que tem sido designada por GATT, a qual, anos mais tarde, veio a dar origem à Organização Mundial do Comércio (OMC) e, agora, tem continuação nas negociações de Doha.

A Constituição da OMC tem muitas áreas do comércio que continuam fora do seu âmbito, pois continuam a ser protegidas por barreiras nacionais como a agricultura, a energia, os serviços garantidos aos cidadãos pelos serviços públicos de cada Estado e o acesso a recursos naturais.

 

 

Após a entrada em vigor do Tratado da OMC, a União Europeia e os EUA encetaram negociações com a finalidade de prosseguirem as políticas de liberalização do comércio, nomeadamente, através de acordos bilaterais ou por blocos regionais. Como exemplo, referem-se os acordos entre a União Europeia (UE) e os países de África, das Caraíbas e do Pacifico (ACP), as cimeiras da UE com os países africanos, dos Estados Unidos com o México e Canada (NAFTA), da UE com o Peru e a Colômbia ou todos os demais 1400 acordos em vigor.

Nas negociações, multilaterais, do GATT e depois para a criação da OMC, as Associações Sindicais estiveram contra o caminho de liberalização do comércio mundial, por os direitos fundamentais dos trabalhadores não estarem protegidos, defendendo-se, então, que o tratado que deu origem à Organização Mundial do Comércio (OMC) devia incluir uma cláusula social que impusesse regras sociais mínimas, para salvaguardar a prevalência dos direitos dos trabalhadores sobre os "direitos económicos".

As propostas apresentadas pelos sindicatos foram recusadas, pois o que pretendiam os mentores do tratado que criou a OMC era tratar da livre circulação do comércio, secundarizando direitos fundamentais dos trabalhadores, para favorecer a liberalização da transacção de mercadorias e de bens, mesmo que os bens transaccionados fossem produzidos com o recurso ao trabalho escravo ou infantil.

Mesmo assim, as multinacionais e as grandes potências mundiais não conseguiram a total liberalização do comércio, designadamente o acesso aos recursos naturais e ao negócio nos serviços públicos. Deste modo, continuaram a negociar os acordos bilaterais e multilaterais, com o objectivo de permitir o acesso a mercados que estavam e estão fora do alcance da rapina das multinacionais.

É neste enquadramento que estão em marcha negociações, entre os EUA e a União Europeia, para estabelecerem um acordo de Comércio Livre, o designado Tratado Transatlântico de Comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia (TTIP) ou ainda as negociações que correm, em Genebra, relativas ao Acordo sobre o Comércio nos Serviços, também conhecido por acordo TISA, e o CETA entre a União Europeia e o Canadá, o qual foi rejeitado pela CES, posição que realçamos.

As negociações do TTIP decorrem sem que exista informação daquilo que está a ser tratado. Tudo é escondido, e com total falta de democraticidade. Os Parlamentos nacionais, bem como os sindicatos, estão afastados das negociações e há recusa da Comissão Europeia (CE) em fornecer qualquer informação. As negociações correm, pois, sob o desígnio de total opacidade e falta de transparência.

O TTIP coloca grandes desafios e exige a união de esforços e vontades de todos quantos lutam contra a tese das inevitabilidades defendidas pelo neoliberalismo. Todos os que defendem o direito dos povos e dos trabalhadores a decidir o seu destino não podem aceitar que este acordo integre aquilo que se designa por ISDS, ou seja, uma cláusula de protecção dos investidores.

As cláusulas de protecção dos investidores, permitem que qualquer multinacional, a pretexto da defesa dos seus interesses, lucros e negócios futuros, possa pôr em causa a implementação de politicas económicas, promovidas por Estados soberanos, para melhorar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores e do povo. Esta proposta, a concretizar-se, permitiria a qualquer multinacional intentar acções a pedir indemnizações aos respectivos Estados, com base na violação do TTIP.

O mesmo acontece com as políticas públicas, que poderiam ser questionadas sempre que impedissem que os investidores tivessem acesso a determinadas áreas dos serviços públicos, como a saúde, educação, segurança social, água, energia e telecomunicações, que para as multinacionais não passam de um atraente negócio.

O TTIP, bem como outros tratados, abrem a porta à diminuição de direitos dos trabalhadores e ao dumping social e a sua eventual institucionalização afastaria o povo do acesso aos serviços públicos essenciais e de qualidade que todo Estado democrático tem que garantir, designadamente no plano económico, social e cultural. Os trabalhadores deixariam de ter protecção do direito de trabalho, por as multinacionais não estarem sujeitas ao direito em vigor em cada Estado.

A introdução, no Tratado, de Tribunais Arbitrais para dirimir eventuais conflitos que resultem da protecção dada aos investidores, ao preverem que as clausulas do Tratado prevalecem sobre as normas constitucionais de cada Estado, põem em causa os Tribunais nacionais, o Estado de direito e a soberania do próprio país.

O Tratado visa garantir às multinacionais o acesso a áreas que hoje são da responsabilidade pública, como a saúde, a educação, a segurança social, os tribunais (designadamente o do trabalho) e o controlo dos recursos naturais. As modificações apresentadas para a área da agricultura poderiam ainda levar a que os bens alimentares nacionais fossem substituídos por Organismos Geneticamente Modificados (OGM).

Os direitos dos trabalhadores estariam postos em causa, já que não havendo cláusulas que assegurem a submissão dos "direitos económicos" aos direitos laborais e sociais e afastando-se a possibilidade de submeter os litígios aos tribunais judiciais, nas matérias que o tratado remetesse para os tribunais arbitrais, os trabalhadores ficariam inibidos de exercer os seus direitos, porque o seu exercício poderia pôr em causa o "direito" de negócio do "investidor" ou os custos do recurso ao tribunal arbitral seriam tão elevados que condicionariam a reclamação dos direitos.

Estamos, pois, perante um processo que prossegue um caminho que visa a afirmação das políticas neoliberais, mediante a sobreposição do poder das multinacionais perante os Estados, violando os direitos dos trabalhadores, dos povos e das próprias soberanias e independências nacionais, menorizando os respectivos órgãos constitucionais e colocando em causa a democracia.

A CGTP-IN, enquanto central sindical de classe:

a) Manifesta a sua oposição ao TTIP, por considerar que as medidas propostas põem em causa os direitos dos trabalhadores, do povo e do país, sem prejuízo de continuar a aprofundar a sua análise;
b) Exige a suspensão imediata da negociação dos TTIP;

A CGTP-IN considera, ainda, que todos os acordos multilaterais ou bilaterais devem incluir:
- A garantia do direito à soberania nacional de cada país e de cada povo, designadamente a soberania alimentar e energética;
- A prestação e garantia de acesso universal a serviços públicos essenciais e o controlo e protecção dos direitos humanos sobre bens comuns e vitais, com a água;
- O desenvolvimento equitativo, priorizando a dimensão social e as economias nacionais;
- A garantia de prevalência dos direitos sociais e laborais dos trabalhadores vigentes em cada Estado, face aos interesses do poder económico;
- A integração de um capítulo de direitos sociais fundamentais nos termos das Convenções da OIT e da Carta Social Europeia aplicável a todos os Estados subscritores;
- Normas de protecção de meio ambiente e dos direitos dos consumidores.
- A participação, no processo negocial, dos órgãos constitucionais democraticamente eleitos em cada Estado, bem como a intervenção dos organismos de informação e consulta, tais como: os sindicatos e os conselhos económicos e sociais;
- A paz e a cooperação internacional;

Todos os acordos multilaterais ou bilaterais devem excluir:
- Toda e qualquer cláusula que preveja a protecção dos investidores, tais como o chamado mecanismo ISDS e o recurso aos tribunais arbitrais.

29 de Janeiro de 2015
O Conselho Nacional da CGTP-IN