A União Europeia não se pode deixar arrastar para uma concorrência globalizada, baseada num nivelamento por baixo das normas sociais, como prova a tendência para dar prioridade aos aspectos económicos em detrimento dos sociais, que não se tem esbatido, antes se tem reforçado com o argumento do aumento da concorrência entre as empresas em mercados mais globalizados.

 

 

 


 

Florival Lança
Membro da Comissão Executiva do Conselho Nacional da CGTP-IN

Assembleia da República, 2 de Maio de 2006

 

As preocupações da CGTP-IN quanto ao futuro da Europa estão expressas, ou pelo menos subentendidas, nas respostas que demos ao questionário que a Comissão dos Assuntos Europeus nos enviou para preenchimento.

À primeira opinião que nos é pedida respondemos, de forma resumida, que este projecto de Tratado está morto.

Morto devido ao chumbo de franceses e holandeses, visto que, segundo as regras estabelecidas e aceites, o Tratado só seria válido se ratificado por todos.

Ora, por pelo menos 2 dos 25 Estados membros já não o será.

Morto e bem morto, acrescentamos nós, porque ainda se está por saber se o Tratado Constitucional aponta para o aprofundamento de uma construção europeia que enraíze princípios essenciais como o da igualdade entre os Estados, a autodeterminação dos povos e a solidariedade mútua. A CGTP-IN tem uma visão crítica do Tratado fundada em quatro ideias centrais: o direito comunitário não pode prevalecer sobre as Constituições dos Estados-membros; não se garantem progressos suficientes nas políticas sociais; são introduzidas alterações profundas na repartição de poderes, as quais colocam em perigo o princípio da igualdade entre Estados; há mais competências transferidas para a União.

O Tratado levanta a questão do primado do direito comunitário sobre o direito ordinário e constitucional dos Estados Membros. Consagra-se o primado do direito comunitário, quer originário quer derivado, sobre o direito ordinário interno dos Estados Membros. E se este estava estabelecido e aceite na ordem jurídica comunitária, não havia sido contemplado nos tratados. A CGTP-IN tem expressado o seu profundo desacordo com o princípio sem deixar de fazer uma interpretação que não permite concluir que se aceite a sujeição da CRP ao Tratado.

No domínio social, o Tratado não se afirma como um efectivo instrumento de progresso das políticas sociais, ainda que se verifique a integração da Carta dos Direitos Fundamentais no Tratado e se reconheçam e consagrem direitos sociais importantes (ex. a promoção do pleno emprego). Porém, a regra da adopção de decisões por unanimidade tem servido para alguns dos Governos bloquearem avanços no domínio social.

São introduzidas alterações profundas quanto à repartição de poderes, que colocam em perigo o princípio da igualdade entre Estados, princípio fundamental numa união de Estados soberanos e iguais entre si. Sublinham-se: a alteração da composição das instituições, designadamente do Parlamento Europeu e da Comissão; a modificação das regras de tomada de decisão no Conselho, com a definição de maioria qualificada baseada num sistema de dupla maioria dos Estados Membros e da população; a criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu e do cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros da União; o reforço dos poderes do Banco Central Europeu.

Mesmo que se admita que estas alterações não contribuem, formalmente, para o reforço da componente comunitária (ou federal) da UE, tendendo, pelo contrário, a acentuar a componente intergovernamental, não se pode ignorar que se abre, por esta via, a consagração do domínio dos Estados mais ricos e mais populosos – que, na verdade, têm sido o motor e os decisores do processo da integração europeia –, através da criação de Directórios. Fica deste modo ferida a igualdade entre Estados.

No que respeita à distribuição de competências entre a União e os Estados-membros, embora a competência partilhada continue a ser a regra, regista-se um alargamento das competências que os Estados-membros aceitaram passar para a responsabilidade da União. Destacamos as que, de modo directo, passarão a ser da responsabilidade da União, como a conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da Política Comum de Pescas; e o aumento de competências da União Europeia na área da liberdade, segurança e justiça, bem como na de relações externas.

Por tudo isto, equacionar, como está a ser feito, a recuperação do Tratado, só revela um enorme desrespeito pelas regras estabelecidas, bem como pelo pronunciamento dos povos francês e holandês.

Essa pretensão só contribuirá para um ainda maior afastamento dos cidadãos face ao projecto Europeu, distanciamento claramente expresso quer pelos constantes dados que nos fornece o insuspeito "Eurobarómetro", quer pela decrescente participação nas eleições europeias.

As instituições europeias atribuem este distanciamento ao desconhecimento dos cidadãos em relação ao projecto europeu, bem como ao desinteresse dos OCS pelo tema. Mas é óbvio que o problema de fundo não é esse. A causa maior está nas políticas e respectivos conteúdos.

Toda a argumentação que suporta a estratégia de Lisboa, as Directivas sobre tempo de trabalho e de Bolkestein, tem como pressuposto que o modelo de referência continua a ser o modelo americano.

A Comissão apresenta deste modo, objectivamente, a União a favor de normas sociais mais baixas e políticas ambientais menos exigentes.

A União Europeia não se pode deixar arrastar para uma concorrência globalizada, baseada num nivelamento por baixo das normas sociais, como prova a tendência para dar prioridade aos aspectos económicos em detrimento dos sociais, que não se tem esbatido, antes se tem reforçado com o argumento do aumento da concorrência entre as empresas em mercados mais globalizados.

Salvaguardar e melhorar o "modelo social europeu" deve ser a preocupação central na elaboração das políticas da U.E.

Os trabalhadores europeus dão-se conta de que os caminhos que estão a ser seguidos têm conduzido a retrocessos, razão pela qual se mobilizam e recusam a descaracterização do modelo.

Percebem com clareza que andam há 6 anos a ouvir falar na estratégia de Lisboa, como uma estratégia equilibrada entre o trabalho e o capital, mas o que o balanço feito demonstra é que os avanços alcançados no seu âmbito foram só os que serviam o poder económico. Constatam ainda que, nas propostas para a sua revisão, há um rol de boas intenções mas que não se disponibilizam meios para os concretizar.

Para qualquer trabalhador, estes problemas, mais os do emprego e da sua qualidade, dos salários, educação e saúde, justiça e bem-estar social, são os problemas reais que lhes permitem compreender o que é a U.E.

Não se trata portanto de um problema de falta, ou deficiente, comunicação, mas da forma e conteúdos da construção europeia.

O futuro da Europa passa por, ao contrário do que está a ser feito, promover a melhoria do modelo social, por melhores políticas de emprego e emprego de qualidade, pelo reforço da coesão económica e social, pela promoção da igualdade, condições essenciais para uma comunidade de justiça e bem-estar social que podem e devem ser afirmadas a nível global, permitindo a afirmação da U.E. em todos os espaços em que se move, como alternativa ao modelo neoliberal dominante.

Lisboa, 2 de Maio de 2006

Florival Lança
Membro da Comissão Executiva do Conselho Nacional da CGTP-IN