Defender a contratação colectiva - Intensificar a luta reivindicativa

FARIAS MG 0113Intervenção Armando Farias

Membro do Conselho Nacional

Defender a contratação colectiva

Intensificar a luta reivindicativa

Camaradas,

Com a Revolução de Abril de 1974 a contratação colectiva assumiu consagração constitucional, assente no reconhecimento do seu papel estruturante na regulação do trabalho e na função social que desempenha, quer como instrumento de distribuição de riqueza, quer como meio privilegiado para consolidar direitos colectivos e promover a melhoria das condições de trabalho.

Este reconhecimento não foi concedido nem pelas boas vontades do patronato nem por quaisquer processos de conciliação ou de concertação de classes. Pelo contrário, o direito de negociação e de contratação colectiva, assim como outros direitos fundamentais atribuídos aos trabalhadores, decorreram da sua acção e da sua força organizada e são o resultado de muitas décadas de duras e intensas lutas travadas nos locais de trabalho contra a exploração e pela concretização das suas reivindicações.

Através da contratação colectiva os trabalhadores asseguraram a fixação e actualização dos salários; a regulação dos horários e a sua duração máxima diária e semanal; o reconhecimento das qualificações e a definição das funções, categorias, enquadramentos e carreiras profissionais; a estabilidade dos vínculos contratuais e a proibição dos despedimentos sem justa causa; o direito a dias de descanso e a férias pagas; as condições de deslocação em serviço; o pagamento de trabalho suplementar, de trabalho nocturno e subsídio de turnos; o direito à formação profissional; as condições de prestação de trabalho em regime de turnos e as medidas de prevenção dos riscos profissionais; vários benefícios sociais, tais como cantinas e refeitórios, assistência médica, creches e infantários, e muitos outros direitos laborais e sociais.

Foi por força da luta que conquistámos estes direitos, foi também pela luta que muitas destas conquistas foram consagradas em lei e foi, ainda, com a continuação da luta, que resistimos aos ataques das forças do capital para as destruir.

É devido à luta dos trabalhadores, unidos e organizados nos sindicatos de classe, na CGTP-IN, que a legislação laboral, apesar das mutilações que tem sofrido, reflecte, ainda hoje, os extraordinários avanços verificados nas relações de trabalho, depois do 25 de Abril de 1974.

A brutal ofensiva desencadeada pelo patronato e os sucessivos Governos que ao longo dos últimos 39 anos protagonizaram a política de recuperação capitalista tiveram, e têm, uma única finalidade: destruir os direitos individuais e colectivos alcançados, retroceder nas condições de trabalho, precarizar os vínculos contratuais e individualizar as relações laborais, de forma a aumentar a exploração e maximizar os lucros do capital.

Elegendo o Código do Trabalho como alvo estratégico dos ataques cirurgicamente desferidos contra a contratação colectiva, foram introduzidas inicialmente e nas suas posteriores revisões, alterações que desequilibraram ainda mais a relação de forças a favor do patronato, de que são exemplos a admissão da caducidade das convenções, a eliminação do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, admitindo a possibilidade de serem fixadas na convenção condições de trabalho inferiores à lei, ou a explicitação da adesão individual às convenções, para além de outras malfeitorias, como sejam a introdução dos regimes da "adaptabilidade" e dos "bancos de horas" que visam pôr o trabalhador a trabalhar mais e a receber menos salário.

A situação agravou-se ainda mais, depois de 2010, no quadro das medidas aplicadas pela mão dos Governos do PS e do PSD/CDS-PP, decorrentes dos designados Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC) e do "Memorando de Entendimento", a que se juntou o denominado "compromisso para o crescimento, a competitividade e o emprego", um verdadeiro pacto contra os trabalhadores, subscrito pelo Governo do PSD/CDS-PP, as confederações patronais e a UGT, com o apoio do PS, onde se inscreveram novas regras para agravar a exploração do trabalhadores, entre as quais: a redução dos prazos de caducidade e sobrevigência das convenções colectivas e a possibilidade de suspensão da própria convenção; as restrições impostas à emissão de portarias de extensão; as modificações na lei que visam derrogar as normas da contratação colectiva pela legislação do trabalho e dar maior relevância ao contrato individual de trabalho; a eliminação de dias feriados, dias de férias e descansos compensatórios, a redução do valor pago pela prestação de trabalho extraordinário novas regras para os despedimentos e diminuição das indemnizações para tornar o despedimento individual ainda mais fácil e mais barato, etc.

Os efeitos desastrosos que estas medidas tiveram sobre a negociação colectiva são bem evidentes: uma redução vertiginosa quer do número de convenções negociadas e acordadas, quer do número de trabalhadores abrangidos pela publicação dos contratos; o bloqueio à emissão das portarias de extensão; o congelamento dos salários, com uma vigência média das tabelas salariais das convenções publicadas que no final de 2015 já ultrapassava os 43 meses.

Mas o ataque à contratação colectiva e aos direitos dos trabalhadores não se esgota nas alterações ao Código do Trabalho. Expressa-se, também, por um lado na apresentação de propostas patronais inaceitáveis, que têm o objectivo de reduzir ou mesmo eliminar direitos laborais e sociais e, por outro lado, na acção dos sucessivos Governos que incentivaram e deram total cobertura ao patronato para boicotar os processos de negociação colectiva concedendo-lhes, por via da lei, aquilo que não conseguem impor na contratação, devido à resistência e luta dos trabalhadores.

Destacamos, pela brutal violência das medidas adoptadas contra os trabalhadores e as suas organizações de classe, a acção do Governo do PSD/CDS-PP, que na ânsia de "acertar contas" com os valores e os ideais de Abril, tudo fez para atacar os direitos e destruir a contratação colectiva. Desde logo, no âmbito da Administração Pública, não só manteve a recusa de negociação e de contratação, repetindo as autênticas farsas "negociais" encenadas pelos Governos anteriores, como impôs a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e determinou o fim do vínculo público; estendeu aos trabalhadores do sector público as regras menos favoráveis do sector privado, em nome de uma alegada "uniformização", diminuindo, assim, as condições de trabalho a todos os trabalhadores; aprovou o regime da "requalificação", antecâmara para o despedimento, que o tribunal Constitucional declarou inconstitucional; aumentou o horário de trabalho para as 40 horas e, mais tarde, recusou publicar os acordos de emprego público que determinam a reposição das 35 horas de trabalho semanal.

Chegámos, assim, a um novo quadro da ofensiva, em que o patronato usa todos os meios colocados ao seu dispor pelos sucessivos Governos para atacar os direitos e recusar a negociação, com particular evidência quanto ao regime da caducidade, usado como instrumento de chantagem sobre os trabalhadores e os sindicatos, o que conduziu à actual situação de bloqueio generalizado da negociação colectiva.

Ao contrário do falso discurso da "inovação e "modernização" da contratação colectiva, o que estas medidas visam é legalizar o que é ilegal, ou seja legalizar a precariedade, o prolongamento generalizado dos tempos de trabalho para aumentar a exploração e a redução dos salários e outras componentes da retribuição do trabalho.

Apesar dos graves retrocessos, que decorrem da ofensiva desencadeada pelo patronato e caucionada pelas medidas do Governo, a situação seria hoje muito pior se não tivessem sido realizadas inúmeras lutas de resistência dos trabalhadores para defender os seus interesses.

É preciso, é urgente, travar esta ofensiva e remover os obstáculos que estão a paralisar a negociação colectiva. É preocupante que o actual Governo do PS não tenha tomado uma única medida nesse sentido, verificando-se que se mantém o bloqueamento da generalidade da negociação sectorial, que continua o congelamento dos salários, que o patronato persiste na chantagem, apresentando mais denúncias de convenções. É particularmente grave que com este Governo do PS estejam a ser publicados avisos de caducidade de convenções onde o patronato violou os princípios da boa-fé negocial ou que tenham sido emitidos despachos ministeriais a restringir o pleno exercício do direito de greve, como é o caso da Petrogal, onde os trabalhadores estão em luta há vários meses e hoje mesmo estão em greve.

Daqui reafirmamos as nossas calorosas saudações aos trabalhadores da Petrogal e a todos os trabalhadores em luta, exortando-os a reforçar a unidade e a prosseguir com determinação a sua justa luta pela defesa dos direitos e da contratação colectiva.

Não basta que do programa do Governo conste a intenção de dinamizar a contratação colectiva ou que o Ministro do Trabalho tenha afirmado num recente Seminário organizado pelo Centro de Relações Laborais que não compreende como foram publicados avisos de caducidade de convenções que já foram revistas depois de 2003. É preciso concretizar o que se promete

e corresponder com actos ao que se diz e afirma. Só assim é possível romper com o passado e encetar uma política diferente.

A contratação colectiva, constituindo-se como um meio em que intervêm os trabalhadores organizados na determinação colectiva das suas condições de trabalho, é um dos principais factores de dinamização da acção e da luta reivindicativa e, consequentemente é também lugar privilegiado para o aprofundamento da unidade e da solidariedade da classe trabalhadora e para o desenvolvimento da luta de massas contra a exploração, as desigualdades e o empobrecimento.

O capital tem medo da participação e acção colectiva dos trabalhadores, do seu envolvimento directo nas reivindicações e decisões que são tomadas para as defender. Por isso, definiu uma estratégia de desvalorização da contratação e de bloqueio à negociação, procurando deslocar a discussão de temas laborais para o âmbito da chamada "concertação social", querendo fazer crer que nesta sede sindicatos e patrões estão em pé de igualdade e que aí se negoceiam acordos vantajosos para ambas as partes. Nada mais falso! Desde o início da sua entrada neste órgão que a CGTP-IN caracteriza a concertação como um sistema de natureza corporativista, que apela à conciliação de classes, como se patrões e trabalhadores tivessem objectivos comuns, e não divergentes, e fosse possível conciliar interesses que são antagónicos.

De facto, não esquecendo as razões de ordem política mais geral que estão na origem da institucionalização da concertação social em Portugal, esta visa substituir-se ao papel que constitucionalmente está cometido às instâncias que legal e democraticamente estão constituídas. É assim com a contratação colectiva, na tentativa de reduzir a eficácia da negociação, limitar o seu âmbito, aniquilar direitos pela via dos ditos "acordos de concertação social", de que temos vários exemplos, e afastar os trabalhadores dos processos de negociação dos respectivos contratos colectivos.

É, também, assim, que a «concertação social institucionalizada» procura sobrepor-se ao papel da Assembleia da República, fazendo aprovar medidas à revelia do órgão legislativo eleito pelo povo e que, invariavelmente, são contrárias aos interesses dos trabalhadores e muitas vezes ilegais e até mesmo anti-constitucionais, como aconteceu muitas vezes no passado e, de forma insistente, com o anterior Governo do PSD/CDS-PP.

Não é por acaso, que o patronato e as forças do capital retomaram uma campanha de desinformação, mentiras e mistificações sobre a solução governativa adoptadas no quadro parlamentar com o objectivo, por uma lado, de condicionar a aprovação na A. R. de medidas positivas para os trabalhadores e o povo e, por outro lado, de remeter para a concertação matérias que são da exclusiva competências daquele órgão de soberania, com vista a impedir a melhoria das condições sociais ou, até mesmo, a concretização de "acordos de concertação" contendo medidas de sentido contrário.

Mantendo-se inalterável a apreciação da nossa Central de classe sobre a natureza da "concertação", o papel que desempenha e os objectivos que prossegue, constatamos que os resultados que aí têm sido produzidos são invariavelmente a favor do patronato e contra os trabalhadores, de que são exemplo a degradação dos salários e a revisão da legislação laboral para destruir ou limitar direitos dos trabalhadores, enquanto os patrões não só são os beneficiários dessas alterações como recebem outras benesses, de vária ordem, como é exemplo a recente diminuição da TSU para as empresas.

Não havendo nenhuma questão de princípio que determine a participação ou não participação do movimento sindical na «concertação social», importa reafirmar que a participação da CGTP-IN nesta instância é inseparável da defesa intransigente da sua autonomia, sendo entendida como mais um nível de intervenção, acção e luta reivindicativa, em articulação com os níveis sectorial e o local de trabalho, através do qual afirmamos as nossas posições e reivindicações, denunciamos as medidas e orientações antilaborais e intervimos para defender os direitos e os interesses dos trabalhadores.

Princípio, esse sim, irrenunciável, é ter sempre presente que a participação na concertação não pode nunca hipotecar a nossa natureza de classe, autónoma e de massas.

No actual quadro político impõe-se combater todos os bloqueios à negociação colectiva, incluindo o cumprimento do direito de negociação colectiva na Administração Pública e a revogação das restrições à emissão das portarias de extensão; exigir a reposição das condições que garantam a efectivação do direito de contratação colectiva consagrado na Constituição, o que passa por revogar as normas relativas à caducidade das convenções e repor as disposições anteriores ao código do trabalho de 2003, nomeadamente o princípio da renovação automática das convenções e do tratamento mais favorável ao trabalhador; intensificar a acção e a luta reivindicativa nos locais de trabalho, com vista a concretizar o pleno exercício do direito de negociação em todos os processos negociais, objectivos de importância central para garantir o emprego e assegurar o aumento dos salários, a valorização profissional e a estabilidade no trabalho, a defesa dos direitos e a melhoria das condições de vida e de trabalho.

A História mostra que só organizados em sindicatos de classe profundamente ligados aos locais de trabalho, conhecedores dos problemas e activos defensores dos direitos e interesses de quem trabalha, os trabalhadores podem aspirar a melhorar as suas condições de vida e de trabalho.

Na luta permanente contra a exploração e pela sua emancipação, os trabalhadores não podem prescindir deste movimento sindical, da CGTP - Intersindical Nacional.

VIVA O XIII CONGRESSO!

VIVAM OS TRABALHADORES!

Almada, 26 de Fevereiro de 2016