Reforçar o Poder Local Democrático, combater a transferência de competências da Administração Central

José Correia
Membro do Conselho Nacional

O Poder Local Democrático emergiu com o 25 de Abril, e é inquestionavelmente uma das suas principais conquistas. Uma conquista, tal como outras, erguida a pulso pelas populações, pelos trabalhadores. Foi no decurso desse extraordinário movimento que, logo nos primeiros dias foram realizadas profundas transformações na melhoria das condições sociais, em que a maioria da população participou com um grande entusiasmo que a Constituição da República de 1976 consagrou as autarquias locais como parte integrante da nova organização democrática do Estado, com a eleição democrática de órgãos próprios, agindo em total liberdade face a outros, com submissão apenas ao texto constitucional, às leis, aos tribunais em sede de aplicação dessas mesmas leis, e ao povo; com um regime de atribuições e competências; a existência de meios técnicos, humanos e financeiros à prossecução dos interesses das populações. A acção desenvolvida desde então pelo Poder Local Democrático, comprovou a sua indispensabilidade para a elevação da coesão social, a resolução dos pequenos e grandes problemas concretos das populações e o reforço da democracia participativa.

A transferência de responsabilidades e encargos operada através da Lei nº 50/2018, de 16 de Agosto, que se pretende ter carácter definitivo e universal – significa que o Estado Central procura ficar definitivamente desresponsabilizado por assegurar a todos os portugueses a concretização de importantes Funções Sociais do Estado e das garantias de acesso democrático e universal a estes serviços; por outro lado, desconfigura a natureza e o papel específico e complementar das autarquias, determinantes pela sua capacidade de responder com maior eficácia aos problemas das populações, no reforço e melhoria da qualidade dos serviços públicos e consequentemente, na elevação das condições de vida nas diferentes comunidades.

Ignora ainda este governo do Partido Socialista o desígnio de criação das Regiões Administrativas, constitucionalmente consagrado, sem as quais não é possível uma descentralização efectiva e que combata de forma séria as assimetrias de desenvolvimento regional, pretendendo substituir-se esta decisão pela intenção de reforço das Comunidades Intermunicipais nuns casos, noutros pela tão apregoada “democratização” das CCDR que não chegou nunca a conhecer a luz do dia, estando por realizar a reversão do processo de extinção e fusão de mais de 1.000 freguesias, impostas pelo governo do PSD / CDS e que mais não foi, do que mais um contributo para aumentar despesas e o isolamento das populações. Mais uma vez, o que é perspectivado é reduzir substancialmente o investimento em serviços públicos de qualidade e consagrar legalmente o subfinanciamento crónico das autarquias.

A municipalização das Funções Sociais do Estado na Educação, na Saúde e em muitas outras áreas, funções que indiscutivelmente compete ao poder central assegurar - caminho já experimentado noutros países com péssimos resultados - levará à desresponsabilização e degradação dos serviços, das condições de trabalho e dos direitos, ao agravamento das desigualdades sociais e territoriais e colocará em causa a actual autonomia do poder local democrático, conquista de que tanto nos orgulhamos, ficando abertas mais possibilidades de futuras privatizações da Escola Pública, do Serviço Nacional de Saúde e de muitos outros serviços públicos que quer “empurrar” para as Câmaras.

Reafirmando o combate e a rejeição a este processo, e exigindo também que o governo respeite a vontade largamente manifestada pelos municípios, através das decisões de pronunciamento negativo dos órgãos autárquicos, o XIV Congresso da CGTP-IN continuará a lutar por uma verdadeira descentralização democrática, indissociável da adopção de medidas que garantam:

· O respeito pelo direito de negociação previsto na Constituição, impedindo que qualquer processo de transmissão ou transferência de trabalhadores possa ser tratado de forma puramente administrativa e sem consulta prévia;

· O reforço do financiamento do Poder Local, começando pelo cumprimento escrupuloso da Lei das Finanças Locais, para a recuperação das condições das autarquias para o pleno exercício das actuais atribuições e competências;

· A criação das Regiões Administrativas, factor de democracia e instrumento de combate às assimetrias regionais;

· A reposição das freguesias liquidadas contra a vontade das populações.

· A defesa intransigente da universalidade das Funções Sociais do Estado, mantendo o Estado Central todos os poderes que viabilizam o tratamento de todos os cidadãos em plano de igualdade nos domínios político, económico, social e cultural.

Seixal, 14 de Fevereiro de 2020