teleAs medidas tomadas pelo Governo na área laboral, com o propósito de combater o COVID 19, algumas antes e outras depois do decretamento do estado de emergência, estão a provocar um verdadeiro caos na vida dos que têm no salário a única fonte rendimento.

A concentração da informação nas medidas de proteção e na sua obrigatoriedade tem levado á generalização de ideia de que os direitos dos trabalhadores são coisa secundária abrindo-se um caminho para práticas ilícitas e até criminosas de patrões menos escrupulosos e/ou oportunistas, que procuram, dentro do caos, mais uma oportunidade de enriquecimento ilegítimo.

Neste contexto é preciso que as entidades especialmente obrigadas a fiscalizar e a sancionar tais práticas (em especial a ACT) assumam as suas obrigações lembrando que as normas de direito laboral se encontram plenamente em vigor.

Com efeito, os regimes ora criados têm natureza especial e temporária, não afetam a aplicação dos regimes regra constantes do Código do Trabalho, nem da Constituição da República Portuguesa.

Neste sentido, foi criado um regime especial simplificado de lay off e o teletrabalho tornou-se obrigatório nuns casos, e um direito potestativo noutros, o que foi feito sem se mexer no Código do Trabalho, isto é, sem mexer nos regimes previstos neste importante diploma legal.

O regime regulatório do teletrabalho encontra-se previsto nos artigos 165.º a 171.º, do Código do trabalho tendo como caraterística distintiva do trabalho presencial o facto da prestação laboral ser realizada fora da empresa através do recurso a tecnologias de informação, isto é, à distância.

Ainda assim, a prestação laboral em regime de teletrabalho é realizada com subordinação jurídica (art.º 165.º do CT), obrigando as partes em matéria de direitos e deveres, como se o trabalho fosse prestado em instalações da entidade empregadora, nomeadamente: a entidade patronal mantém a obrigação de fornecer os instrumentos de trabalho e de pagar as despesas inerentes à sua utilização e manutenção, de manter o seguro de acidentes de trabalho, de assegurar a formação profissional (art.º 168.º e 130.º a 133.º do CT). E o trabalhador beneficia dos direitos laborais em condições de igualdade com os demais trabalhadores da empresa em regime de trabalho presencial (art.º 169.º, n.º 1, do CT).

A propósito da retribuição devida ao trabalhador em regime de teletrabalho, têm surgido na comunicação social posições no sentido de que o subsídio de alimentação não seria devido a estes trabalhadores. Tais posições têm sido justificadas com a natureza do próprio regime, isto é, com o fundamento de que trabalhador não se desloca e, como tal, não necessita de tomar a refeição fora de casa. O argumento poderia merecer uma análise mais desenvolvida, não fosse o facto de o próprio regime o afastar expressamente tal interpretação no art.º 169.º, n.º 1, do CT que, a esse propósito diz que “o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores ...”.

Ainda assim, se quiséssemos ir mais além, sempre se diria que o subsídio de refeição é pago como contrapartida do trabalho (só não é pago em caso de falta o que deixa evidente o vinculo da prestação com a execução da mesma), tem carater de regularidade (art.º 258.º, do CT) e não se encontra afastado pelo disposto do art.º 260.º do CT). O facto de ter um regime de tributação próprio não lhe altera a natureza retributiva, sendo certo que as normas que o regem têm, em geral, como fonte de direito as convenções coletivas, que lhes definem as condições de aplicação, ou os usos laborais, igualmente fonte de direito nos termos do art.º 1.º, do CT.

Mas esta mudança engendrada pela situação presente para o teletrabalho, não pode ser aproveitada para reduzir salários ou para cortar na pequena fatia do rendimento nacional que hoje está afetada aos salários de si já muito baixos no nosso país.

*Um contributo do Dr. Joaquim Dionisio.
26.03.2020