Posição da CGTP-IN sobre o parecer do chamado
Conselho de Ética para as Ciências da Vida, que defende:

“Racionamento ético dos medicamentos”

 

A CGTP – IN considera inaceitável e totalmente desumano o parecer emitido pelo Conselho de Ética para as Ciências da Vida, a pedido do Ministério da Saúde, no qual considera que o Governo tem fundamentos éticos para racionar o acesso de cidadãos que sofram de cancro, sida ou artrite reumatóide, bem como de doentes terminais, a tratamentos mais caros, incluindo medicamentos e meios de diagnóstico.

 

Segundo afirma o parecer "vivemos numa sociedade em que, independentemente das restrições orçamentais, não é possível, em termos de cuidado de Saúde, todos terem acesso a tudo", sugerindo que o Estado dispõe de autoridade moral para racionar ou cortar o que é essencial à vida e à saúde dos cidadãos.

 

Para a CGTP-IN, estas afirmações ofendem a dignidade humana e violam a Constituição da Republica, na medida em que sugerem a possibilidade de subordinação de um direito inviolável como o direito à vida a critérios de pura racionalidade económica.

 

Na realidade, por mais que o parecer deste chamado Conselho de Ética invoque a existência de fundamentos éticos para as suas afirmações e apresente justificações e modelos aparentemente razoáveis e consistentes, em última instância, o que está em causa neste Parecer é a possibilidade de racionar medicamentos e tratamentos para reduzir despesa, ou seja, por motivos de carácter económico.  

 

Quando se envereda pelo caminho de pretender racionar o acesso das pessoas a tratamentos médicos, “quando o ratio custo/beneficio assim o recomende”, entramos certamente no domínio de uma perigosa discricionariedade.

 

A decisão de recusar a uma determinada pessoa um determinado tratamento ou medicamento com fundamento na ponderação do seu custo excessivo, será sempre uma decisão puramente discricionária, discriminatória e, como tal, intrinsecamente injusta. Não há aqui, não pode haver, nenhum fundamento ético. Como se pode considerar ética uma decisão em que basicamente se diz a uma pessoa: Não te dou este tratamento, porque estás a morrer e não vale a pena gastar dinheiro contigo? Ou não podes ter acesso a este medicamento porque é muito caro e tu estás velho e já não vale a pena?

 

A verdade é que o parecer do Conselho de Ética para as Ciências da Vida se escuda na mais desumana abstracção, cita teorias e modelos abstractos, convoca restrições orçamentais e necessidades de contenção de custos, e ignora completamente as pessoas concretas, de carne e osso, que vão ser atingidas por estas sábias palavras, emitidas do alto da mais soberana indiferença pela dignidade e humanidade das pessoas. Na retórica do parecer, as pessoas não existem enquanto tal; são apenas abstracções, números, custos, despesa excessiva…. E isto é o que mais choca, a análise custo/benefício da vida humana que abstrai do próprio ser humano.  

 

Por fim, não podemos deixar de salientar que existe em Portugal um organismo público, o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, ao qual compete nomeadamente e entre outras atribuições no domínio da política da saúde e do medicamento, regulamentar, avaliar, autorizar, disciplinar, fiscalizar, verificar analiticamente, como laboratório de referência, e assegurar a vigilância e controlo da investigação, produção, distribuição, comercialização e utilização dos medicamentos, bem como garantir a qualidade, segurança, eficácia e custo-efectividade dos medicamentos de uso humano e dispositivos médicos. Isto significa que todos os medicamentos que são autorizados para introdução no nosso país são previamente analisados e estudados, inclusivamente em termos de ratio custo-benefício.

 

Neste contexto, consideramos que o parecer solicitado pelo Ministério da Saúde, e tão prontamente e sem hesitações dado pelo chamado Conselho de Ética para as Ciências da Vida, é completamente desnecessário e até absurdo, na medida em que todas as análises e estudos, inclusive de carácter económico, são efectuadas previamente e servem de base à sua introdução no mercado português. Uma vez decidida essa introdução, todos os tratamentos e medicamentos devem estar acessíveis a todos os cidadãos que deles necessitem, sem qualquer discriminação.

 

A CGTP-IN reafirma o seu profundo repúdio pelo parecer emitido pelo chamado Conselho de Ética para as Ciências da Vida e lembra que o combate à ineficiência e ao desperdício na área da Saúde, que a CGTP-IN sempre tem defendido, não pode ser feito por via da negação aos doentes e aos cidadãos em geral no acesso aos cuidados de saúde de que necessitam em cada momento das suas vidas.