O Governo anunciou um conjunto de novas medidas para a habitação, que se inserem no programa denominado "Construir Portugal", iniciado há mais de um ano, com os resultados conhecidos: aumento das rendas, aumento do preço da habitação.
As medidas agora aprovadas, à semelhança das apresentadas há um ano, destinam-se à oferta de habitação e são essencialmente de natureza fiscal, com a redução de vários impostos, incluindo uma taxa reduzida de IVA para construção de habitação para venda ou arrendamento a preços moderados; redução da taxa autónoma de IRS de 25% para 10% nos contratos de arrendamento a rendas moderadas; incentivos fiscais para investimento na construção, reabilitação ou aquisição de imóveis para arrendamento a "preços moderados"; isenção de mais valias de IRS na venda de habitação, desde que o valor seja reinvestido em imóveis para arrendamento a preços moderados; aumento da dedução à colecta de IRS dos encargos com rendas, fixando-se em 2026 um limite máximo de 900€, a subir para 1000€ em 2027.
Da simples leitura destas medidas é possível tirar desde logo uma primeira conclusão: todas elas tomam como base um novo conceito, o conceito de renda "moderada" ou "a preços moderados", que o Governo definiu como correspondendo a rendas com valores até 2300 € mensais.
Este valor (que ninguém sabe de onde vem) apresenta-se claramente desfasado da realidade portuguesa. Como é que num pais em que o salário médio não vai além dos 1281 euros1 e em que 900 mil trabalhadores (20,4% do total)2 ganham o salário mínimo, se pode vir dizer, com a maior desfaçatez, que uma renda mensal de 2300 € é uma renda moderada?
A substituição do conceito de renda acessível (o mais utilizado até agora e que considera como renda acessível aquela que corresponde a uma taxa de esforço máxima de 35% do rendimento médio do agregado familiar) por este conceito de renda moderada, completamente alheio aos problemas de acesso à habitação com que a generalidade dos cidadãos portugueses está confrontado, demonstra só por si que as soluções apresentadas por este Governo não vão resolver nem de perto nem de longe a crise da habitação.
De facto, o principal problema com que os trabalhadores e os cidadãos em geral hoje se confrontam é a impossibilidade de suportarem os encargos com as rendas habitacionais, cujo valor se mostra incompatível com os rendimentos da maior parte dos agregados familiares. Ora, conceder benefícios e incentivos fiscais para rendas que podem ir até aos 2300 € não contribui de nenhum modo para resolver esta questão ou para facilitar o acesso à habitação de quem não tem rendimentos suficientes para pagar rendas que implicam taxas de esforço insuportáveis. Pelo contrário, esta subida da fasquia só vai contribuir para agravar o problema, incentivando uma tendência para aumentar o valor das rendas até ao limite, a fim de usufruir do benefício fiscal na sua totalidade.
Por sua vez, os incentivos e benefícios fiscais à dita construção e reabilitação, assim como para o investimento, para arrendamento a preços moderados, tendo em conta o elevado lucro que tais benefícios representam, são susceptíveis de contribuir para o aumento da especulação imobiliária, o que contribuirá também para aprofundar a crise na habitação.
Em segundo lugar, constatamos que, de todas as medidas apresentadas, apenas uma se dirige aos arrendatários – o aumento do valor da dedução dos encargos com rendas no IRS. Porém, na realidade, esta é uma medida que não tem reflexos na redução mensal das rendas, que como sabemos é o maior problema de muitas famílias. De que é que serve uma poupança anual no imposto a pagar, quando o dinheiro não chega para pagar a renda a cada final de mês?
Ou seja, estamos perante mais uma medida desligada da realidade quotidiana das famílias.
Em suma, as medidas apresentadas em nada contribuem para a resolução da crise da habitação em Portugal.
Está mais que provado que medidas que, no plano da oferta do mercado de arrendamento, procuram aumentar a oferta de imóveis mediante a concessão de incentivos fiscais não actuam ao nível da regulação do mercado e sobretudo não actuam sobre o valor das rendas, quando é o valor das rendas que mais dificulta o acesso e a manutenção de soluções habitacionais para a maioria da população.
Constatamos novamente também que, entre as medidas que visam alegadamente aumentar a oferta de imóveis para arrendamento, não se vislumbra nenhuma preocupação com o aumento da oferta pública, o que se procura sempre é estimular a oferta privada, perpetuando o domínio do mercado.
Com estas medidas, o Governo continua a apostar no domínio total do mercado em tudo o que respeita à habitação, esperando-se contra toda a evidência que um hipotético aumento da oferta de casas conduza, não se sabe quando, a um eventual ajustamento de preços. Ou seja, na prática, não só nada se faz para resolver no imediato, como se agrava o problema e nos afastamos mais das respostas estruturais necessárias aos problemas reais dos trabalhadores, dos jovens, dos reformados, de todos quantos não dispõem de rendimentos suficientes para suportarem os encargos de uma solução habitacional condigna.
No actual quadro da crise habitacional, a CGTP-IN entende que são necessárias e urgentes:
- A colocação dos lucros dos bancos a suportar o aumento dos encargos das famílias empurradas para a compra de casa própria;
- A criação de um programa nacional de habitação, previsto na Lei de Bases da Habitação;
- O alargamento significativo do parque público de habitação a preços acessíveis, indo além do investimento previsto no PRR, por forma a condicionar o mercado da habitação, contribuindo decisivamente para pôr termo à dinâmica especulativa;
- Medidas de controlo do valor excessivo das rendas, nomeadamente a fixação de tectos máximos em função dos rendimentos dos arrendatários;
- A suspensão dos despejos, de modo que nenhum arrendatário seja despejado enquanto não dispuser de uma solução de habitação condigna;
- A alteração do regime de arrendamento urbano, revogando a lei existente e criando medidas adequadas à protecção dos arrendatários.
DIF/CGTP-IN
Lisboa, 29.09.2025